Mohammed Bin Salman: moreno, alto, bonito e rico, futuro do rei das Arábias promete?
O novo herdeiro oficial tem que modernizar o país, enfrentar pressões e tradições violentas e, se der, participar de um acordo de paz no Oriente Médio
Talvez ele seja pelo menos parte da solução dos problemas: Mohammed Bin Salman gosta de parecer como príncipe encantado - (Fayez Nureldine/AFP) |
O rei mais modernizador da Arábia Saudita acabou
com a escravidão e abriu o primeiro canal de televisão. Por causa
disso, foi morto a tiros por um sobrinho. O assassino foi condenado e
decapitado numa praça de Riad.
O fim espantoso do rei Faisal merece ser lembrado porque não
aconteceu no tempo das tribos movidas a camelo, mas em 1975, um nada em
termos históricos. E, evidentemente, por causa da reviravolta
acontecida agora na sucessão no reino saudita.
O rei atual, Salman, que está com 81 anos e, segundo os
inimigos, indícios de demência, manteve a cabeça muito clara e completou
o que vinha armando há muito tempo: nomeou o filho predileto como seu
sucessor. Para adoçar a reviravolta, mandou distribuir 30 bilhões de
dólares em bônus e pagamentos adicionais à população.
Mohammed Bin Salman tem 31 anos e, de tão moderno, apenas uma esposa.
Mas não existe imagem alguma da princesa Sara, prima do
marido por um ramo tribal tão importante que o pai dela chegou a ser
considerado candidato ao trono.
A ausência de registros públicos, ao contrário de outras
tantas princesas sauditas que adotam causas modernizadoras, indica uma
vida de respeito extremamente estrito aos princípios da corrente muito
severa da religião muçulmana seguida na Arábia Saudita.
Ou pode ser que a princesa esteja apenas aproveitando em
sigilo seguro a vida quase inimaginável proporcionada pelas fortunas
estonteantes da sua própria família e de seu marido.
PIOR DOS PECADOS
Sucesso com o público feminino por causa da bela estampa, ao
contrário de todos os anteriores ocupantes do trono, o futuro rei
despeja uma parte dessa fortuna em empresas de relações públicas mundo
afora para construir uma imagem positiva.
É tanto dinheiro, espalhado por tantas frentes, que é quase
impossível distinguir entre fatos e fabricações sobre o príncipe
bonitão. Na versão mais simpática, ele é extraordinariamente inteligente
e bem dotado, a ponto de ser colocado pelo pai na frente de todos os
demais filhos prediletos, os tidos com a mais próxima das três esposas,
entre os quais se incluem o primeiro astronauta saudita.
Na versão espalhada pelos inimigos, entre os quais o Catar e
seu influente braço de propaganda, a televisão Al Jazeera, Mohammed é
um herdeiro arrogante, belicista, americanista e, dito nas entrelinhas,
favorável a Israel. Este, naturalmente, considerado o pior dos pecados.
Ressalve-se que na conta dele é pendurada a pendência atual
da Arábia Saudita com o Catar, uma briga entre primos que continua
rendendo. Também foi o príncipe herdeiro quem comandou a intervenção
saudita na guerra civil no Iêmen, outro país unido por laços tribais aos
sauditas, embora esquecido por Alá na hora de distribuir o petróleo.
O fato de que os sauditas, com todos os seus formidáveis
armamentos comprados nos Estados Unidos e quadros militares com formação
idem, não consigam debelar a rebelião dos houthis, uma minoria que
segue o xiismo e tem ajuda do Irã, é uma prova de que o dinheiro compra
muita coisa, mas não faz milagres.
COMPRA POR IMPULSO
Por causa da mudança na sucessão, que na Arábia Saudita é
lateral, seguindo a linha dos irmãos mais privilegiados ou filhos mais
velhos e destacados destes, foi muito lembrada uma reportagem recente do
New York Times.
É a história da compra por impulso de Mohammed Bin Salman.
Ele estava na Côte d’Azur, viu passar um dos iates mais fabulosos do
planeta e não sossegou enquanto o Serene não foi seu. Preço do capricho:
500 milhões de euros.
O dono do barco era Yuri Shefler, ele próprio um personagem
de romance: é dono da empresa de bebidas que fabrica a vodca
Stolichnaya, marca que “capturou” quando fugiu da Rússia, instalando a
produção na Letônia.
Um detalhe das entrelinhas, de novo, é que Shefler era da
turma dos “judeus bilionários” de Vladimir Putin, os oligarcas que
depois entraram em guerra de vida ou morte, literalmente, com o czar.
A compra do iate, que tem hangar de helicóptero, com doze
cabines para passageiros e trinta para a tripulação, é dada, pelos
inimigos, como mais um exemplo das simpatias “sionistas” do futuro rei.
OPÇÃO SAUDITA
Na prática, a Arábia Saudita já tem uma aliança tácita com
Israel, baseada no princípio do inimigo comum, o Irã. Também já procura
há muito tempo um acordo clássico: Palestina independente, com
territórios na maioria devolvidos e sob controle dos líderes da
Autoridade Palestina (o Catar, em oposição, apoia o Hamas, no poder em
Gaza), contra garantias de segurança e estabilidade para Israel.
Falar é fácil, difícil ou quase impossível é fazer,
inclusive pela minoria forte em Israel, com participação no governo
Netanyahu, que considera qualquer acordo do tipo autodestrutivo.
Aparentemente, é essa linha da opção saudita que Donald
Trump está seguindo: aproximação mais forte com o reino, neutralização
relativa do Irã e pressão, sorridente e amistosa, mas forte, sobre
Israel, para encaminhar o sonho de todo presidente americano, um acordo
de paz no Oriente Médio. No caminho, claro, também tem a infernal guerra
na Síria.
E aparentemente o futuro rei saudita está na mesma sintonia.
O que vai conseguir fazer é outro assunto. O assassinato do rei Faisal,
mencionado no começo, é uma das provas das violentas e contraditórias
pressões que existem no reino criada há apenas 85 anos por Abdulaziz Ibn
Saud, o chefe tribal que conquistou o deserto na ponta da espada e
disputou preferências do império britânico.
FLORES PROIBIDAS
As tribos da região haviam adotado uma linha fundamentalista
espalhada no século 18 por uma espécie Savonarola muçulmano, Mohammed
al-Wahabb. Pregador de um ultra-puritanismo religioso tão estrito que
proscreve tudo o que separe da devoção total a Alá, ele deu nome a esta
doutrina, o wahabismo.
Por esta linha, música, todo tipo de entretenimento e até
vasos com flores desviam a atenção dos fiéis. A proibição corânica à
reprodução de qualquer tipo de figuras humanas foi reforçada ao extremo.
Daí o escândalo entre religiosos e fiéis mais estritos quando o rei
Faisal autorizou a abertura de um canal de televisão: transmitir imagens
de pessoas foi considerado anátema.
Um dos inúmeros sobrinhos de Faisal foi morto na repressão a
um protesto violento contra a estação, que começou as transmissões em
1965. Anos depois, seu irmão pediu uma audiência, aproximou-se para
receber o beijo do rei, sacou um revólver e acertou dois tiros nele.
Com o tempo, muito sauditas desenvolveram uma teoria
conspiracionista para “explicar” o regicídio: foi tudo complô das
petrolíferas americanas por causa do boicote que se seguiu à guerra de
1973 entre países árabes e Israel, conhecida como a Guerra do Yom Kippur
(resultado: conquista do Sinai, depois devolvido em virtude do acordo
de paz com o Egito, e das montanhas de Golan, da Síria).
FANATISMO
Sobre a outra informação contida no início: Faisal aboliu a
escravidão em 1962, sob pressão dos Estados Unidos. Cada dono de
escravos foi indenizado por cabeça. Isso dá uma ideia do atraso
monumental do reino que o futuro rei galã quer transformar numa potência
pós-petróleo.
Para dar outra ideia: a Arábia Saudita arma e apoia uma
facção em guerra na Síria que só não é a mais radical porque existe o
Estado Islâmico. E nos dias anteriores e posteriores à promoção de
Mohammed Bin Salman a herdeiro direto houve pelo menos três atentados
suicidas no reino, praticados por adeptos do Estado Islâmico, cujo
radicalismo atrai grande quantidade de sauditas.
“Política externa, defesa, política econômica e energética e
as questões de mudança social estão há vários anos sob controle do
príncipe. E devem continuar assim durante as próximas décadas”, analisou
um acadêmico saudita ligado ao Atlantic Council, Mohammed Alyahya.
Prever é fácil, difícil é as previsões se realizar. Embora a
palavra dos especialistas deva ser levada em conta. Ibn Saud e sua
turma do deserto de Najd tinham “a mente preconceituosa e fechada dos
puritanos”, escreveu um deles. “Se conseguirem se impor, em lugar do
Islã tolerante de Meca e de Damasco, teremos o fanatismo do Najd.”
O nome do especialista era T.E. Lawrence. O agente britânico
que se tornou “nativo” e ficou conhecido como Laurence da Arábia,
morreu em 1935 deprimido e desiludido com a traição de suas promessas
aos aliados árabes.
Estes, por sua vez, sob regimes monárquicos tribais ou
militares nacionalistas, criaram países disfuncionais. Os do deserto,
identificáveis pela roupa tradicional – camisolão branco, lenço preso na
cabeça por uma corda chamada igal e chinelos -, logo passaram a
desfrutar da bêncão, e também da maldição do petróleo que jorra em
lugares sem histórico de democracia.
A modernização política e religiosa que precisam não vai
acontecer por um ato de vontade de um emir. Mas, sem isso, tem menos
chances ainda.
Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário