Jovens militantes: quem são e quais as ambições da nova geração de ativistas
Publicado por:
Amara Alcântara
Aos 21 anos, Kim Kataguiri ganhou fama nos protestos pelo impeachment
de Dilma Rousseff e quer ser candidato a algum cargo nas eleições de
2018. Ana Júlia Ribeiro, 16, virou ícone da ocupação de escolas e sonha
com uma educação pública de ponta no Brasil. Nicholas Leviski tem 21
anos e defende o fim da “patrulha ideológica nas universidades”. Aos 24,
Elisângela Lima milita pelo fim da opressão de raça e gênero e almeja o
socialismo democrático.
São quatro jovens muito diferentes entre si, na formação, na atuação e
nas ideias, que conseguiram, nos últimos anos, se destacar na defesa de
suas causas. Em meio à cada vez maior desilusão dos brasileiros com a
classe política, eles foram capazes de despertar simpatia não só entre
pessoas na mesma faixa etária, mas também em outras gerações.
Mas o que vem a seguir? Insistir em táticas de pressão para
conquistar mudanças em área específicas como educação, saúde e direitos
sociais, ou migrar para a política tradicional e tentar promover
mudanças estruturais?
“Até agora, esses movimentos não têm conseguido ter um poder
suficiente para fazer algum contraste de peso com a política
tradicional”, avalia a cientista política Lúcia Avelar, pesquisadora da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “Os novos grupos nas ruas
fortalecem a sociedade, mas sem que você tenha uma resposta com a mesma
densidade na organização político-partidária.”
Para Avelar, os ativistas de movimentos organizados costumam ter
dificuldades para substituir as lideranças tradicionais dos partidos
políticos e, em geral, esses movimentos acabam se institucionalizando
como entidades de interesse social. O sucesso da pressão para ter suas
demandas atendidas varia de acordo com a relação com o poder. “Se você
tem governos mais abertos, mais democráticos, o Estado aceita melhor as
reivindicações que vêm da sociedade”, acrescenta.
A reportagem do UOL conversou com Ana Júlia,
Elisângela, Kataguiri e Leviski sobre como se deu o despertar político
de cada um deles, sobre suas ambições para o futuro e sobre o que
esperam conquistar com a militância política.
‘Inconformada política’
No último mês de outubro, Ana Júlia ficou conhecida ao discursar na Assembleia Legislativa do Paraná
para defender a ocupação de mais de 800 escolas por estudantes
secundaristas, em protesto contra a limitação do teto para gastos
públicos em educação e contra a proposta de reforma do ensino médio.
Quatro meses depois, a jovem estudante diz que o discurso foi
marcante em sua recém-iniciada trajetória de “inconformada política”.
“Minha maior ambição para o futuro é que eu não me renda ao
conformismo”, diz Ana Júlia. “Espero conseguir atuar para defender um
conjunto de políticas que leve à construção de uma sociedade com um
nível menor de desigualdade, com o mínimo necessário garantido a todos. E
talvez um sistema de educação pública com qualidade de ponta.”
Atualmente, Ana Júlia cursa o último ano do ensino médio no Colégio
Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães (Cesmag), em Curitiba. Fã de
música clássica e cinema, a estudante planeja entrar para o curso de
direito na faculdade e busca inspiração no pai, o advogado Júlio
Ribeiro.
Ana Júlia ressalta que sua participação nas ocupações de escolas no
Paraná foi espontânea e sem nenhum vínculo partidário. A jovem é crítica
quanto aos partidos políticos, que considera “perdidos” no atual
cenário de crise e denúncias de corrupção. Mas afirma que pode, no
futuro, se filiar a algum partido que defenda uma “visão progressista” e
se preocupe com a qualidade de vida dos brasileiros e o combate à
desigualdade.
Alvo de ameaças e xingamentos desde que ficou conhecida, Ana Júlia
reconhece que chegou a se sentir confusa e pressionada após a grande
repercussão de seu discurso, mas diz que espera ter maturidade para
encarar o debate político no atual cenário de polarização. “Isso exige
muito de todos. Exige o amadurecimento de escutar as pessoas e tentar
defender os seus argumentos, de uma maneira que não ofenda os outros”,
avalia a jovem.
‘Lei só será eficaz se houver mobilização’
Fundadora de uma comunidade no Facebook que analisa expressões com
origem na discriminação a determinados grupos sociais, Elisângela Lima
foi eleita uma das negras mais influentes da internet em 2015 pelo
projeto Blogueiras Negras.
“Faz pelo menos quatro anos que transformei minha indignação em ações
sociais”, diz a estudante de políticas públicas da UFF (Universidade
Federal Fluminense), que é de Campinas (SP) e atualmente vive em Angra
dos Reis (RJ). “Costumo usar redes sociais, blogs e grupos online, além
dos recursos jurídicos, para lidar com situações de racismo, porque
tenho aprendido cada vez mais que o exercício da lei só será eficaz para
te defender se houver forte mobilização social.”
Influenciada pelas histórias de violência e abuso que ouviu nos
lugares por onde passou, Elisângela atuou em diversas frentes nos
últimos anos, inclusive na coordenação do Fórum Nacional da Juventude
Negra (Fonajune). A estudante, que cita Racionais MC’s, Legião Urbana,
Nina Simone e Rage Against the Machine entre seus artistas favoritos,
diz que busca inspiração para sua atuação política na feminista Djamila
Ribeiro e na blogueira Gabriela Moura, entre outras.
A jovem conta que o momento mais marcante de sua trajetória foi a
participação na Marcha das Mulheres Negras, em Brasília, em 2015. “Minha
maior ambição política coincide com minha projeção para o futuro e
esteve presente no tema da marcha: contra o racismo, a violência e pelo
bem viver”, recorda a estudante.
Elisângela afirma que nunca foi filiada a nenhum partido político e
que prefere concentrar sua militância em organizações suprapartidárias,
mas defende a necessidade de um projeto que tenha como compromisso a
democracia e o socialismo. “Para que haja uma ruptura completa, é
necessário uma cumplicidade partidária para promover as mudanças que são
reivindicadas pelos movimentos sociais”, diz a jovem militante.
‘Queremos ter uma bancada liberal de deputados’
Estrela de vídeos com comentários políticos e milhões de
visualizações desde 2014, Kim Kataguiri se tornou o rosto mais conhecido
do MBL (Movimento Brasil Livre), que teve papel importante nas
manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff. O grupo defende o
livre mercado, a redução do Estado e da burocracia e uma gestão mais
rigorosa das contas públicas.
“A ideia do MBL inicialmente não era nem fazer manifestação”, afirma.
“Era trabalhar uma linguagem para que a nossa mensagem fosse
transmitida de uma maneira mais simples e mais divertida, para gerar
mais engajamento.”
Ele conta que o seu interesse por política começou após um professor
de história de uma escola técnica de Limeira, no interior de São Paulo,
apresentar dados positivos sobre o programa Bolsa Família. Ele diz que,
mais tarde, ao pesquisar sobre o assunto, concluiu que a realidade não
era bem aquela e, desde então, passou a estudar e defender o liberalismo
econômico.
O primeiro mergulho na política foi trabalhar na campanha do
candidato derrotado a deputado estadual Evandro Sinotti (PMDB-SP), em
2014. Logo depois, na época do segundo turno da corrida eleitoral à
Presidência da República, conheceu os irmãos Renan e Alexandre Santos e o
cantor da banda Bonde do Rolê, Pedro D’Eyrot. Juntos, os quatro
formariam o núcleo que fundou o MBL no fim daquele ano.
Fã de bandas de indie rock como Arctic Monkeys e The Kooks,
atualmente estuda direito no IDP (Instituto de Direito Público). Nas
horas vagas, gosta de jogos de computador, ir “a um barzinho” e ao
cinema. Para 2018, conta que pensa em se candidatar a algum cargo nas
eleições de outubro. “A ideia do MBL é crescer na política institucional
a ponto de influenciar diretamente as eleições presidenciais”, afirma.
“A gente quer ter uma bancada liberal e espera ter pelo menos 15
deputados federais.”
‘No Brasil, não há cultura política’
Durante o ano passado, o movimento de ocupação de escolas e
universidades se espalhou por diversas cidades do país, mas um dos
principais epicentros foi o Estado do Paraná. Na capital, Curitiba, o
impacto das mobilizações levou a uma contraofensiva de grupos que se
organizaram para combater as ocupações. Um dos articuladores dessa
reação foi o estudante Nicholas Leviski, presidente do grupo UFPR Livre e
coordenador nacional do movimento Viralivre.
“A função do Viralivre é trazer o ativismo para os jovens que hoje
não se sentem representados pela esquerda estudantil”, diz Leviski, ao
descrever a iniciativa, que se apresenta como uma entidade estudantil
“apartidária” para dar voz a estudantes “amarrados pela patrulha
ideológica vigente nas universidades”.
Ele diz que desde a adolescência participou de iniciativas
filantrópicas por meio do Rotary Club de Curitiba e que, durante os
protestos de junho de 2013, começou a participar da organização de
manifestações na cidade. Nos anos seguintes, atuou junto ao MBL, mas
decidiu se afastar do grupo e hoje critica a proximidade do movimento
com lideranças da política tradicional.
O estudante se define como um libertário, defende o liberalismo
econômico, é a favor da descriminalização da maconha e do casamento gay,
mas condena o sistema de cotas raciais. “No Brasil, não existe muita
cultura política”, afirma. “Sempre teve esse antagonismo em que ou você é
fã da ditadura ou você é de esquerda. Não sou nem fã da ditadura nem
defendo a esquerda.”
Ex-skatista e praticante de kung-fu, estuda estatística na UFPR
(Universidade Federal do Paraná). Fã de comentaristas políticos
polêmicos como Alex Jones, Steven Crowder e Milo Yiannopoulos, o jovem
estudante diz ter recebido convites para se filiar ao Partido Novo e ao
Livres, nova ala do PSL (Partido Social Liberal). Ele diz que está
pensando nas propostas e não descarta aceitar alguma delas. “A gente
precisa diminuir o poder da burocracia, o poder do Estado”, conclui.
Fonte: UOL
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