Advogada de 34 anos larga profissão e vira acompanhante de luxo em Brasília
Em junho do ano passado, Cláudia de Marchi,
34, deu entrada no pedido de licença de sua inscrição na Ordem dos
Advogados do Brasil. Devolveu a carteira de número 63.467, tirada em
2005, no Rio Grande Sul.
A justificativa deve ter entrado para os anais da entidade de classe: tornar-se “acompanhante de luxo”.
Para exercer a nova profissão, uma das mais antigas do mundo, a gaúcha de Passo Fundo foi de mala, cuia e laptop para Brasília.
E deixou para trás ainda uma carreira de professora universitária em Mato Grosso.
A mudança radical foi motivada pela demissão da Faculdade de Sorriso,
do grupo Unic, onde dava aulas de direito constitucional, sua
especialidade, em fevereiro de 2016.
Em 11 de abril, Cláudia de Marchi iniciava suas atividades como
cortesã de luxo na Capital da República e também um blog onde passou a
narrar suas aventuras dentro e fora da alcova.
“Eu tomei essa decisão depois de sair do magistério, quando fui
demitida sem justa causa, por questão de egos nestas instituições
particulares”, relata, sem entrar em detalhes.
A faculdade também não dá maiores informações sobre a dispensa, nem comenta a guinada de vida de sua antiga funcionária.
À desilusão profissional se somava outra com os homens. Cláudia foi
casada e vinha de uma sucessão de relacionamentos fracassados. “Tanto no
casamento quanto nos meus namoros, o sexo era o que havia de mais
especial, então resolvi aproveitar só a cereja do bolo.”
Na entrevista e nos posts diários em sua página na internet, a
cortesã e blogger passa a ideia de estar se lambuzando em um banquete
sexual iniciado três meses depois da demissão.
‘SEU MAIOR PRAZER’
Há pouco mais de dez meses, a ex-advogada fazia o primeiro programa
ao preço de R$ 500 a hora, reajustada recentemente para R$ 600.
“Descubra que elegância, beleza, finesse, cultura e inteligência
podem coexistir numa única mulher! Cláudia de Marchi, vulgo seu maior
prazer!”, apresenta-se ela no site.
A acompanhante de luxo diz atender uma média de dois clientes por
dia. Uma clientela exclusivamente masculina que, salienta, escolhe a
dedo, teclando no WhatsApp do seu smartphone.
“Se o cara fala errado, eu dispenso.” Em um post, ela expõe a
tentativa de aproximação de um “analfabeto funcional”. “Enterecei”?”,
transcreve ela sobre erro de português em mensagem recebida de um
“interessado”.
“Caraca, só se eu estivesse na sarjeta com cinco filhos para criar e
passando fome eu transaria com um homem que, em plena era da informação,
escreve desta forma!”
A gaúcha de 1,69 m (“pornográfica até na altura”, brinca), 58 kg,
sorriso largo, cabelos tingidos de louro e levemente ondulados, revela
suas formas em fotos com e sem lingerie. “E nada de Photoshop, viu?”,
apressa-se em ressaltar.
SEXO E CULTURA
Ela se coloca no mercado do sexo pago vendendo o corpo e a bagagem
cultural, requisito que diz exigir também dos homens dispostos a pagar o
seu preço.
Levando em conta tal requisito, os políticos, clientes mais
disputados por garotas de programa em Brasília, são até esnobados pela
cortesã. “Eu não atendo deputados e senadores. Eles ganham bem, são
poderosos, mas não quer dizer que tenham cultura.”
Em seu diário virtual, narra um episódio desagradável protagonizado por um poderoso no fim do ano passado.
“Das costas aos braços vergões de tapas: marcas da violência de um
cliente embriagado e ciumento que me agrediu em 22/12. Ah, cliente do
ramo político, ‘coincidentemente’.”
A ex-advogada diz que decidiu não processar por agressão o deputado
que foi seu cliente assíduo durante uns quatro meses, temendo a cultura
que “culpabiliza a vítima”. “Deste marginal, eu não quero nem falar o
nome. Dele, eu só preciso esquecer que esteve comigo seis vezes
anteriormente como lobo em pele de cordeiro.”
O caso de violência é um “fato isoladíssimo”, diz ela, que bloqueou o parlamentar no WhatsApp.
Cláudia garante que “consegue sobreviver cobrando bem de pessoas bem
posicionadas na sociedade, sem precisar ser cortesã de político”.
A julgar pelos relatos dos encontros, a admiração tem que se estender
à performance sexual de quem paga por horas de prazer ao seu lado, seja
em suítes de hotéis de luxo, seja no quarto do apartamento de classe
média onde mora com a mãe na Asa Norte, no Plano Piloto.
“Até hoje, não fiz nada de que eu não goste. Não gosto de transar com
mulheres, por isso não atendo casais. Faço sexo normal, oral e anal,
que adoro. Com um homem, dois, mas homens. O resto, eu dispenso.”
A gaúcha assevera que seu perfil, digamos, “impositivo” é a chave do
seu sucesso. Ela também atrairia clientes interessados em uma
profissional que sente prazer, literalmente, no que faz. “Eu gosto de
sexo. Tô nessa pelo meu prazer também. Se não tenho tesão, não rola.
Gozo sempre e costumo ter orgasmos múltiplos nos programas pagos.”
Ela precisa satisfazer, obviamente, o próprio bolso. Por isso,
considera pechinchar no preço um pecado capital. Motivo para o potencial
cliente ser bloqueado no WhatsApp sem delongas.
“Sou acompanhante de luxo, não garota de programa. Faço uma distinção em relação ao próprio nível que tenho e valorizo isso.”
GAROTAS DE PROGRAMA
A necessidade financeira, justificativa para muitas mulheres entrarem
no mercado de sexo, é fator de vulnerabilidade, segundo Cláudia. “Tanto
a garota de programa quanto a prostituta estão expostas a riscos
maiores ao toparem tudo por dinheiro”, constata.
No seu caso, a grana sempre importa, mas diz ter um colchão
financeiro que lhe permite dizer não. “Quando entrei nessa profissão, eu
tinha algumas economias e a grana do meu FGTS. Se um cliente não quer
pagar o que cobro por hora, de fome eu não vou morrer.”
É a deixa para dar conselhos às jovens que a procuram, como uma brasileira que foi para Miami ser “escort de luxo”.
A principal cilada seria o consumismo. “Quando o dinheiro é
facilmente aferido e se topa qualquer coisa, psicologicamente a pessoa
vai se sentir mal e aí gastar é uma fuga.”
Neste caso, costuma indagar o que adianta então ganhar tanto dinheiro
e gastar na mesma medida. “É mais digno se tornar uma manicure, uma
empregada doméstica.”
Para Cláudia, o que a distinguiria da concorrência é “não se deixar
subjugar”, a menos que faça parte do jogo de sedução. “Muitos clientes
me procuram pela curiosidade de transar com essa mulher empoderada.”
Razão pela qual ela estimula a leitura do site antes de cada encontro.
“Faz parte da fantasia.”
Alguns clientes pedem à escritora amadora que sonha em publicar um
livro e tem um blog de crônicas que os deixem de fora do diário virtual.
“Em geral, são aqueles de quem eu fico mais íntima. Daí eu omito as
histórias.”
Os textos são pródigos em cenas de sexo oral e sessões selvagens de
sexo anal, entremeadas por citações literárias e dicas de série de tevê
cult.
No perfil de Cláudia no Facebook, emerge também a feminista e a
politizada. A cortesã critica a visão de parte do movimento feminista
contrária à prostituição, entendida como forma de exploração. “É partir
do pressuposto de que a mulher entra nessa obrigada. É o que acontece
com menores que são exploradas sexualmente, o que é um crime. Não é o
meu caso, que optei por me tornar uma profissional do sexo.”
No espectro político, ela se coloca à esquerda. Teve um namorado que
foi filiado à Rede Sustentabilidade e posiciona-se contra o impeachment
da presidente Dilma Rousseff, que classifica de “golpe parlamentar”.
Considera “absurda” a indicação de Alexandre de Moraes a uma vaga no
Supremo Tribunal Federal. “Eu lamento um dia ter comprado um livro dele,
enquanto estudante de direito.”
Comenta também a postura do presidente Michel Temer. “Ele está
colocando seu ministro da Justiça, alguém da cúpula do próprio governo,
no STF, onde é acusado de crimes por delatores da Lava Jato”, critica.
“Se Moraes fosse fiel às suas próprias teses, ele não poderia aceitar a
indicação.”
INDIGNAÇÃO SELETIVA
Na atual crise moral e ética da sociedade brasileira, a cortesã de
luxo se diz incomodada com a “indignação seletiva”, tanto na política
quanto na vida.
“Quando me perguntam o que faço, digo que sou acompanhante de luxo.
Sempre vai ter uma dondoca que vai me olhar de cima a baixo indignada.”
A indignação costuma passar rápido, segundo ela, pois estas mesmas
mulheres costumam autorizar os maridos a contratarem os seus serviços
numa tentativa de salvar seus casamentos. “Ou melhor, elas querem salvar
a boa vida que teoricamente ganham dos maridos infiéis.”
Em posts cotidianos, Cláudia costuma cutucar a hipocrisia com frases
de escritores e intelectuais. Nesta seara, tomou emprestado um
pensamento de Simone de Beauvoir: “Entre as prostitutas e as que se
vendem pelo casamento, a única diferença consiste no preço e na duração
do contrato”.
Ao expor suas ideias e se assumir sem meias palavras, a cortesã
brasiliense se apresenta sem máscara para clientes e seguidores nas
redes sociais. “Eu não tenho a menor vergonha de dizer que sou uma
profissional do sexo.”
Exemplifica com uma ida recente à Delegacia da Mulher para registrar
um boletim de ocorrência sobre uso indevido de sua imagem em um site de
acompanhantes.
O policial perguntou: “Você se importa se eu colocar prostituta como
profissão?”. Ela diz ter respondido não se incomodar, nem ter se sentido
tentada a dar uma “carteirada” de ex-advogada.
Entabulou um papo com o policial sobre a necessidade de aprovação do
Projeto de Lei Gabriela Leite, em tramitação no Congresso Nacional.
Trata-se da legislação que propõe a legalização da profissão.
No entanto, a defesa dos direitos das prostitutas não consegue unir
sua nova classe, critica a doutora. “Muitas aceitam ser marginais, tanto
que se omitem, têm vergonha e ajudam a alimentar o preconceito”,
conclui a profissional que diz carregar no currículo com o mesmo orgulho
os títulos de advogada, professora e cortesã.
Folha
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