terça-feira, 9 de agosto de 2016

Regalia de um detento rico e famoso no presídio

Luiz Estevão reformou bloco de presídio onde cumpre pena, diz Ministério Público

Ex-senador contou com ajuda de ex-diretores do sistema penitenciário. Obras deixaram bloco 5 do CDP em 'condições luxuosas', dizem promotores.




Promotores comparam ala reformada onde Luiz Estevão cumpre pena (esquerda) e outro ambiente da mesma unidade (Foto: Ministério Público do DF/Divulgação)

Condenado a 26 anos de prisão, o ex-senador Luiz Estevão (ex-PMDB) é acusado pelo Ministério Público do Distrito Federal de financiar a reforma do bloco onde cumpre pena no Complexo da Papuda. O ex-subsecretário do Sistema Penitenciário (Sesipe) Cláudio Magalhães, o ex-coordenador-geral da Sesipe João Helder Ramos Feitosa e o ex-diretor do Centro de Detenção Provisória (CDP) Murilo Cunha também foram denunciados, acusados de serem coniventes com o empreendimento. Segundo o MP, a reforma foi paga por meio de uma empresa de fachada. O G1 não conseguiu contato com o grupo.
A Secretaria de Segurança diz que assumiu o sistema penitenciário em 23 de fevereiro deste ano por intermédio da Subsecretaria do Sistema Penitenciário, a Sesipe, e que a obra em questão “foi realizada na gestão retrasada”.
A pasta diz que não tinha conhecimento sobre a obra, que na “administração atual não há qualquer privilégio ou regalia a qualquer detento e que nenhum detento possui qualquer influência sobre a administração do sistema.”
As obras no bloco 5 do Centro de Detenção Provisória (CDP) chamaram a atenção do MP por destoar da realidade do presídio. Considerado "luxuoso" em comparação a outros espaços da própria unidade, a ala destinada a "vulneráveis" – ex-policiais, presos federais e outros detentos que podem correr risco se misturados a outros presos – tem sanitário e pia de louça, chuveiro, cortina, tapete, cerâmica e paredes pintadas (veja imagens).
De acordo com a denúncia, o ex-diretor do CDP se recusou a dizer quem financiava a obra a promotores que visitaram a Papuda. Segundo o órgão, não há registro oficial da reforma, que levou mais de seis meses para ser concluída, ao longo de 2013. As investigações demoraram um ano para identificar o ex-senador como o financiador da obra.
“A misteriosa reforma começou a ser desvelada quando foi concluída e ali foi alocado o senhor Luiz Estevão de Oliveira Neto, sem autorização judicial, permanecendo em uma ala inteira, na qual havia sido criado um pátio para banho de sol exclusivo, simplesmente sozinho, por praticamente quatro meses, e posteriormente recebendo a companhia apenas de outros quatro presos detentores de poder político/econômico”, diz a denúncia.


O MP identificou que a reforma era empreendida por uma empresa de fachada – que tem como sede um endereço residencial que nunca foi ocupado realmente pela empresa e sem empregados formalmente contratados, diz o órgão. De acordo com as investigações, era uma arquiteta do grupo empresarial de Luiz Estevão quem de fato dirigia obra, a pedido de Luiz Estevão.
O objetivo da medida era evitar qualquer associação com o ex-senador, diz o órgão. Segundo os promotores, grande parte do material foi adquirido pela empresa de fachada para então ser pago pelo grupo empresarial do ex-político. O MP confirmou a informação com operários da obra e teve acesso a notas fiscais dos materiais empregados na reforma do bloco 5 do CDP e na construção de um galpão para abrigar documentos do "arquivo morto" do complexo – que antes ocupavam o espaço.
O promotor Marcelo Santos Teixeira disse que a reforma do bloco chamou a atenção desde o primeiro momento. "É bem verdade que não é nada suntuoso, luxuoso. Mas comparado com o restante das unidades, vê-se uma clara diferenciação. Há aí uma ilha de salubridade."


Segundo Teixeira, a negociação de Estevão com os ex-gestores se deu antes de o ex-senador passar a cumprir pena no CDP. Na Justiça, o MP tinha pedido formalmente para que o bloco seja reformado a fim de conferir mais vagas para detentos. O então diretor negou a solicitação do MP.
"Ele veio em juizo e disse que não seria possivel reformar porque demandaria estudos, licitação, sendo que ele já havia aceito a demanda de Luiz Estevão de reformar o local. Ele enganou a Justiça e o MP. No dia seguinte, a arquiteta [do grupo do ex-senador] já estava frequentando o CDP para a futura realização da reforma", declarou o promotor, entendendo que o ex-senador já tinha negociado os detalhes da reforma com o ex-diretor da unidade e o ex-coodenador da Sesipe.
Para Teixeira, não há indicativos de que os ex-gestores receberam vantagens econômicas pelo acordo com o ex-senador. "Eles vislubravam obtenção de dividendos políticos. A reforma satisfazia interesses específicos tanto de politicos quanto de ex-policiais", declarou.
Ainda segundo o promotor Marcelo Teixeira, o político teve o bloco só para ele por praticamente quatro meses, até receber a companhia de outros quatro presos, como o ex-deputado federal Natan Donadon, pelo Mensalão. Hoje, após ação do MP, a ala também é ocupada por idosos.
"O Ministério Público lutará incessantemente para que a corrupção seja um mau negócio no Brasil. É preciso que fique claro que o poder político não influenciará o cumprimento da pena. E queremos que quando essas pessoas passem a frequentar o sistema prisional, nossas autoridades voltem os olhos para melhorias gerais do sistema", declarou o promotor.
"O comportamento administrativo lesa todos os principios constitucionais da administração pública. Em nenhum momento foi mostrado quem estava promovendo a reforma e com que interesses. Isso foi escondido. Até o fim da investigação, mencionvavam que não sabiam quem promoveu a reforma", continuou.


'Surreal'
Considerando a situação “surreal”, o MP chegou a comparar Estevão ao traficante colombiano Pablo Escobar, que construiu a própria prisão. Em depoimento, o ex-senador confirmou ter arcado com a reforma do espaço, mas disse que fez a pedido do advogado criminalista Márcio Thomas Bastos – morto em 2014, e que estaria preocupado com o destino dos clientes no "Mensalão".
"Em outra ação, ajuizada pelo Ministério Público Federal, o ex-subsecretário da Sesipe e o ex-diretor do CDP também foram acusados de liberar saídas de Luiz Estevão sem autorização judicial, em 2014.
Na denúncia, os promotores pedem bloqueio de R$ 4,2 milhões do patrimônio de Estevão para pagar multa e indenização por danos morais coletivos. O Ministério Público também pediu bloqueio de patrimônio dos três ex-gestores que supostamente autorizaram as irregularidades denunciadas. O caso deve ser julgado pela 1ª Vara de Fazenda Pública."
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, as unidades prisionais do DF têm 6.604 vagas para 15.222 presos. No CDP, são 1.646 vagas para 4.119 presos. Já o bloco "reformado" tem 180 vagas, e até o dia 19 de julho deste ano era ocupado por apenas 120 presos.


Papuda
Luiz Estevão cumpre pena na Papuda desde março. Ele divide cela com o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e com o publicitário Ramon Hollerbach, ambos condenados no escândalo do mensalão.
A condenação foi imposta pela Justiça de São Paulo, a 31 anos de prisão pelos crimes de corrupção ativa, estelionato, peculato, formação de quadrilha e uso de documento falso nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Dois dos crimes, quadrilha e uso de documento falso, podem estar prescritos e a pena final deve ser de 26 anos.
O político tem direito a duas horas diárias de banho de sol. Dez pessoas podem se cadastrar para visitá-lo – nove da família e um amigo. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, só quatro podem entrar por dia de visita. Celas da ala dos vulneráveis têm 21 metros quadrados, um vaso sanitário, um chuveiro com água quente, beliches e uma mesa de plástico.
Antes de ser preso, Estevão afirmou que andava com um pacote de roupas no carro para o caso de ser preso sem que tivesse tempo de passar em casa. "Todo dia, desde que o Supremo [Tribunal Federal] pediu minha prisão, eu já saia com uma mala no carro, com as minhas roupas, para caso eu fosse preso de dia."
Na ocasião, Estevão declarou que ele e a família já esperavam o início do cumprimento da pena em regime fechado. "Um dia ela viria. Podia ser hoje, daqui um mês ou amanhã." Perguntado se se arrependia dos desvios de verbas durante a construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ele disse que espera um dia contar sua versão do caso. "A história do TRT é muito mal contada. Espero ter tempo e saúde para um dia esclarecer". Ele não quis dar detalhes sobre o assunto.
G1

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