FHC: ‘Vitória amarga e uma presidente ilegítima’
por:
Gutemberg Cardoso
Demonstrando um certo amargor, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso considera ‘amarga’ a vitória da presidente Dilma Rousseff nas
eleições presidenciais. Embora não conteste a legalidade da disputa,
sugere que a presidente Dilma Roussseff exercerá um segundo mandado
‘ilegítimo’ por ter, segundo ele, falseado a realidade durante a
campanha.
‘É indiscutível a legalidade da vitória, mais discutível sua
legitimidade. O que foi dito durante a campanha eleitoral não se
compaginava com a realidade’, afirma.
No fim, lamenta que o ajuste econômico não esteja sendo feito por tucanos: ‘Faríamos de corpo e alma, portanto, melhor’.
No mesmo texto, FHC voltou a associar eleitores de Dilma a regiões supostamente atrasadas do País.
(Portal BR 247)
(Portal BR 247)
Leia abaixo o artigo completo de FHC:
”Vitória amarga
Fernando Henrique Cardoso
Raras vezes houve vitória eleitoral tão pouco festejada. Nem mesmo o
partido da vencedora, tonitruante e dado a autocelebrações, vibrou o
suficiente para despertar o país da letargia. Os mais espertos talvez
tenham percebido que seus quadros minguaram, com graves perdas de
entusiasmo e adesão na juventude e certo rancor em setores do
empresariado mais moderno.
A reeleita possivelmente saboreie o êxito com certo amargor. É
indiscutível a legalidade da vitória, mais discutível sua legitimidade. O
que foi dito durante a campanha eleitoral não se compaginava com a
realidade. Só mesmo seu ministro da Fazenda, que coabita com o novo
ministro designado, pôde dizer de cara lavada que a economia saíra da
estagnação e que os males que a assolam vêm da crise mundial.
Recentemente, fazendo coro a esta euforia de encomenda, diante de
dados que mostram um ‘crescimento’ de 0,1% do PIB no trimestre passado,
houve a repetição da bobagem: finalmente a economia teria saído da
“recessão técnica”, de dois ou mais trimestres seguidos. Palavras,
palavras, palavras, que não enganam sequer aos que as estão
pronunciando.
Na formação do novo gabinete, a Presidenta começou a atuar (escrevo
antes que a tarefa esteja completa) no sentido de desdizer o que pregara
na campanha. Buscou um tripé ‘de direita’ para o comando da economia.
Na verdade, o adjetivo é despiciendo: a calamidade das contas públicas
levou-a a escolher quem se imagina possa repô-las em ordem, pois sem
isso não existe direita nem esquerda, mas o caos. Menos justificável,
senão pela angústia dos apoios perdidos, é a composição anunciada do
resto do ministério de cunho mais conservador/ clientelístico.
Esperemos.
A Presidenta, com esta reviravolta, deve sentir certa constrangedora
falta de legitimidade. Foi a partir da ação dela na Casa Civil, e daí
por diante, que se implantou a “nova matriz econômica”: mais gastança
governamental e mais crédito público, à custa do Tesouro. Foi isso que
não deu certo, e serviu de alavanca para outros equívocos que levaram o
governo do PT a perder a confiança de metade do país. Sem falar da
quebra moral.
Metade, sim, mas que metade? É só ver os dados eleitorais com maior
minúcia, município por município: a oposição ganhou, em geral, nas áreas
mais dinâmicas do país, inclusive nas capitais onde há sociedade civil
mais ativa, maior escolaridade, capacidade empreendedora mais autônoma e
menos amarras aos governos. O lulo-petismo, nascido no coração da
classe trabalhadora do ABC, recuou para as áreas do país onde a ação do
governo supre a ausência de uma sociedade civil ativa e de setores
produtivos mais independentes de decisões governamentais.
É falaciosa a afirmação de que houve vitória da oposição em áreas
geográficas tomadas isoladamente: Sudeste rico em contraposição ao
Nordeste pobre, idem quanto ao Sul ou quanto o Centro-Oeste em relação
ao Norte. Ou de ricos contra pobres, à moda lulista. Por certo, como há
maior concentração da pobreza nas áreas mais dependentes do
assistencialismo governamental, houve, de fato, uma distinção na qual as
faixas de renda pesam. Mas os sete milhões de dianteira que Aécio levou
sobre Dilma em São Paulo terão sido “dos ricos”? Absurdo. Nas áreas
menos dependentes do governo, ricos e pobres tenderam a votar contra o
lulo-petismo; nas demais a favor de Dilma, ou melhor, do governo. A
votação na oposição no Acre, em Rondônia em Roraima ou nas capitais do
Norte e Nordeste se explica melhor pelo dinamismo do agronegócio e pelos
serviços que ele gera e, no caso das capitais, pela maior autonomia de
decisão das pessoas.
Este o xis da questão. Eleito com apoio dos mais dependentes (não só
dos mais pobres, mas também dos dependentes “da máquina pública” e das
empresas a ela associadas), o “novo” governo precisa fazer uma política
econômica que atenda aos setores mais dinâmicos do país. Vem daí certa
tristeza na vitória: a tarefa a ser cumprida seria mais bem realizada
com a esperança, o ânimo e o compromisso de campanha dos que não
venceram. Cabe agora aos vitoriosos vestir a camisa de seus opositores
(como Lula já fez em 2003), continuar maldizendo-nos e fazendo mal feito
o que nós faríamos de corpo e alma, portanto, melhor. Atenção: a
economia não é tudo. Menos ainda um ajuste fiscal. O êxito de uma
política econômica depende, como é óbvio, da política. Economia é
política. Política exige convicção, capacidade de comunicar-se, mensagem
e desempenho. No Plano Real coube-me ser o arauto, falar com a
sociedade, ir ao Congresso, convencer o próprio governo. O presidente
Itamar Franco teve a sabedoria de indicar o embaixador Ricúpero para me
suceder, que fez o mesmo papel. E agora, quem desempenhará a função de
governar numa democracia, isto é, obter o apoio, o consentimento, a
adesão dos demais atores políticos? Do Congresso, das empresas, dos
sindicatos, das igrejas, da mídia, numa palavra, da sociedade.
A Presidenta Dilma, mulher sincera, ciosa de suas opiniões, terá
condições para se transmutar em andorinha da mensagem execrada por ela e
sua grei? A nova equipe econômica terá este perfil ou se isolará no
tecnicismo? O “petrolão” será uma ventania ou um tufão a derrubar as
muralhas do governo e da “base aliada”? E a oposição, se oporá de
verdade, ou embarcará no tecnicismo e na boa vontade à espera que o
”mercado”, sobretudo o financeiro, se acalme e que tudo volte à moda
antiga? O mesmo se diga de cada setor da sociedade.
É mais fácil rearranjar a economia do que acertar a política. Que
fazer com essa quantidade de partidos e ministérios, interligados mais
por interesses, muitos dos quais escusos? Sem liderança, nada a fazer.
Com miopia eleitoreira, menos ainda. Tomara não sejam os juízes os
únicos a purgar nossos males como ocorreu na Itália, até porque no
exemplo citado o resultado posterior, a eleição de um demagogo como
Berlusconi, não foi promissor.
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