A festa acabou e, como não há almoço de graça, o país vai pagar o preço das bondades que permitem ao lulismo se manter no poder.
Por Ferreira Gullar
A herança maldita – Por Ferreira Gullar (*): – Não pertenço a nenhum partido político nem tenho compromisso com nenhum deles, quer apoiem ou se oponham ao governo. Por isso, quando opino acerca de fatos políticos e critico ações de decisões governamentais, faço-o na condição de cidadão que, há muitos anos, observa e reflete sobre a vida política nacional.
Nessas condições, seria quase impossível calar-me diante do que tem
ocorrido no Brasil nestes últimos anos, como é o caso do mensalão, que
se tornou um episódio dominante no cenário nacional. Tanto mais depois
do julgamento do Supremo Tribunal Federal, que não deixou dúvidas quanto
ao comprometimento dos processados nele envolvidos.
Esse julgamento, como nenhum outro, foi feito às claras, transmitido
na íntegra pela televisão, sem nada esconder. Resultado: José Dirceu,
José Genoino, Delúbio Soares e quase todos os demais foram condenados a
penas cuja dosimetria os ministros discutiram acaloradamente. Não
obstante, o PT e os sentenciados, sem qualquer pudor, passaram a afirmar
que foram injustiçados por um julgamento político, e não jurídico. E
decidiram promover uma campanha nacional para denunciar essa injustiça.
Isso certamente não ocorrerá, mesmo porque, no dia seguinte àquela
manifestação do PT, um novo escândalo tomou conta do noticiário: a
Polícia Federal acusou Rosemary Nóvoa de Noronha, chefe do escritório da
Presidência da República em São Paulo, indiciada por corrupção ativa.
Rosemary foi nomeada para esse cargo pelo então presidente Lula e o
acompanhava nas viagens que fazia. Bastante estranho, não? Antes, nos
anos 1990, assessorava José Dirceu, que a apresentou a Lula.
No início do governo deste, em 2003, foi nomeada assessora especial
do gabinete pessoal da Presidência da República, antes de ser alçada à
direção do escritório presidencial em São Paulo.
A pedido de Lula, Dilma a manteve no cargo, e é nesse escritório que
Lula e Dilma se encontram para acertar os ponteiros quando a situação
política o exige.
Pois bem, naquela sexta-feira, a Polícia Federal prendeu seis pessoas
e indiciou outras 12, acusadas de participar de um esquema que fraudava
pareceres técnicos em agências reguladoras e órgãos federais. Entre os
presos, estão os irmãos Paulo Rodrigues Vieira, diretor da Agência
Nacional de Águas (ANA), Rubens Carlos Vieira, diretor de Infraestrutura
Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação (Anac) e Marcelo Rodrigues
Vieira. Os irmãos Vieira foram indicados para aqueles cargos por
Rosemary, que mantinha com eles estreita ligação no esquema de fraudes
descoberto pela PF.
Além de Rosemary, foram indiciados 11 servidores, entre os quais o
advogado-geral da União adjunto, José Weber Holanda, o segundo na
Advocacia Geral da União (AGU), órgão diretamente ligado à Presidência
da República.
Em face de tamanho escândalo, envolvendo ocupantes de importantes
cargos de confiança do governo federal, a presidente Dilma Rousseff
convocou uma reunião de emergência com o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, e as ministras Gleisi Hoffmann e Ideli Salvatti, para
avaliar a situação. Disso resultou a exoneração imediata de Rosemary e o
afastamento dos irmãos Vieira de seus cargos. Dada a estreita ligação
de Lula com Rosemary, foi a ele comunicada a sua exoneração, antes que
se efetuasse.
Desta vez, Dilma agiu mais rápido do que quando demitiu os ministros
corruptos que Lula lhe deixara como herança maldita. Naquela ocasião,
ela chegou a defender alguns dos acusados e só os demitiu quando a
situação se tornou insustentável. Agora, porém, em face do desgaste
sofrido com o julgamento do mensalão e a condenação de dirigentes
petistas, a coisa mudou: quem for pego com a boca na botija será
defenestrado, de imediato, sem choro nem vela.
A verdade é que mais uma vez Dilma foi surpreendida por “malfeitos”
envolvendo pessoas de sua equipe vinculadas ao ex-presidente Lula, que
teria se queixado ao saber do novo escândalo: “Fui apunhalado pelas
costas”, expressão semelhante à que pronunciou por ocasião da descoberta
do mensalão, em 2005. Por isso, não se surpreendam se, amanhã, ele vier
a afirmar que tudo isso não passou de uma farsa, inventada pela
imprensa.
(*) Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta.
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