Dia de finados
por Tião Lucena, 02 de Novembro de 2014
O
finado é um ser humano muito sozinho. Passa o ano inteiro trancado
naquela cova escura, sem ar, sem ninguém a quem recorrer para diminuir a
sua solidão, quando muito tem a companhia de outros defuntos
igualmente solitários, e somente uma vez a cada 365 dias recebe a
visita de parentes e amigos. É no dia de finados, um dia como esse de
hoje, que os vivos se lembram dos mortos, vão ao cemitério, acendem
velas, botam flores, choram alguns minutos, depois ficam ali,
impacientes, doidos para acabar a visita e voltarem ao aconchego dos
bares, para curar o que chamam de mágoas num copo de cerveja.
Aí
o defunto retorna à sua solidão, ao seu quarto escuro, à sua cova
estreita e quente, aos vermes que lhe comem as entranhas, ao descanso
incômodo e eterno do além.
Até
parece que os vivos jamais morrerão. Pelo comportamento deles,
julgam-se eternos. Tolos. Amanhã, todo dia, a cada instante, um sai da
fila dos vivos para permitir um acréscimo na longa fila dos mortos. E
então o que chegou ao hotel dos defuntos vai ver o que é bom pra tosse, vai beber do mesmo
remédio, experimentar a mesma solidão, o mesmo quarto estreito, a mesma
cova escura e quente.
Deve ser
por isso que os defuntos de posses optam pela cremação. Sentem o torar
do fogo, mas em poucos minutos viram cinzas e vão enfeitar vales, rios,
mares e açudes, transformando-se em pó sem o inconveniente de virarem
comida de lombrigas, de ratos, de bichos que habitam o submundo da
terra. Esse tal de crematório deveria ser comprado pelo SUS e
disponibilizado a todo mundo. Acabaria a superlotação dos cemitérios,
possibilitaria ao defunto um jeito mais cômodo de enfrentar o pós morte
e dava um fim à essa feira de flores e velas que enche o saco de quem
chega aos cemitérios, no dia de finados, para visitar algum familiar
defunto. Só haveria uma ruindade nisso tudo: nós não comeríamos mais
aqueles jambos lindos que os moços do distrito mecânico colhem no
cemitério e nos vendem à cada manhã de safra.
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