Família diz que livro que trata Lampião gay é mentiroso
Na
última terça-feira (29), o livro "Lampião, O Mata Sete", do autor Pedro
de Morais, foi liberado para venda após a família do cangaceiro entrar,
em 2011, com ações na Justiça impedindo a comercialização da biografia.
A obra faz menção a uma possível homossexualidade de Lampião, cita que
sua mulher Maria Bonita era adúltera e que Expedita não era sua filha.
De acordo com o advogado da filha de Lampião, Expedita Ferreira Nunes, e
da neta, Vera Ferreira, Wilson Wynne Mota, as informações que compõem o
livro são "mentirosas e sem base de estudo ou referências
bibliográficas". Por isso, a família vai entrar com recurso no Supremo
Tribunal Federal afim de que a biografia seja proibida novamente.
"Não existe no processo um único documento que prove que Dr. Pedro
[autor do livro] fez qualquer tipo de estudo, pesquisa ou de onde foi
buscar essa informação. Tudo não passa de uma mera mentira. Mesmo porque
não há qualquer demérito em ele ser homossexual. A discussão é se é
verdade ou mentira. E a Vera [neta] tem certeza absoluta que o fato é
mentiroso", explicou o advogado em entrevista ao UOL.
A decisão de liberação para venda foi do desembargador Cezário Siqueira
Neto da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE).
Segundo ele, a determinação garante o direito à liberdade de expressão
se unindo aos recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) em
manifesto ao combate à censura.
"Não é demais repetir que, se a recorrida, autora da ação, sentiu-se
ofendida com o conteúdo do livro, pode-se valer dos meios legais
cabíveis. Porém, querer impedir o direito de livre expressão do autor da
obra caracterizaria patente medida de censura", explicou Siqueira Neto,
que lembrou que o personagem principal do livro, Virgulino Ferreira, é
uma figura pública.
Em trecho da apelação levada à Justiça pelo autor do livro Pedro de
Morais, é defendido a discusão sobre a sexualidade de Lampião. "A
comunidade acadêmica pode discutir se Jesus teve (ou não) uma mulher,
mas não pode discutir se Lampião teve (ou não) um homem", diz o
documento.
Segundo o autor, sua pesquisa começou em 1991 e foi nessa época que
descobriu particularidades de Lampião - explorando aspectos até mesmo
anteriores ao seu nascimento e posteriores à sua morte. Em 2010, o juiz
aposentado escreveu seu livro e o publicou em 2011 – vendendo mil cópias
na Bienal de Salvador.
"A família nunca leu o livro e está desinformada. Tenho 68 referências
bibliográficas, tenho indicações de todas as fontes. O escritor
Frederico Pernambucano de Mello falou sobre o lado acentuadamente
feminino de Lampião. A revista Superinteressante mostrou que há uma tese
em desenvolvimento sobre a homossexualidade", disse ele.
Privacidade de Lampião
Pedro de Morais conta ainda que Maria Bonita tinha relacionamentos
amorosos com outros homens do cangaço e o fato foi relatado pelo
professor Estácio de Lima, médico legista, em 1947 – nove anos após a
morte de Lampião.
A ideia é rebatida pelo advogado da família. De acordo com Wilson, filha
e neta do cangaceiro querem privacidade já que tais "hipóteses
mentirosas" não têm a ver com a história e nem com o interesse social
deixado por Lampião.
"Vamos entrar com recurso ao Supremo Tribunal Federal motivados por
outras decisões parecidas. Como o caso do jogador Garrincha, a biografia
falava que ele não tinha um bom desempenho sexual por beber muito e sua
filha resolveu entrar com um processo já que não era de interesse
público. No caso de Roberto Carlos, é até mais simples porque o cantor
reclama que não quer a biografia e ainda assim conseguiu proibir",
avaliou ele, que aprova, por exemplo, uma biografia que fale sobre
"Lampião ser um verdadeiro bandido".
Por outro lado, o autor condena a atitude da família e diz ainda que
Expedita não é filha legítima do cangaceiro. "A família não conseguiu
fazer nenhuma prova de que é filha dele. A certidão de casamento dela
atualizada em novembro de 2011 pela morte do marido não consta o nome do
pai dela. Ela nunca perseguiu a ação de reconhecimento de paternidade",
disse Pedro, que conta ainda que não tem uma editora que o apoie na
publicação do livro. Por isso, não sabe quando a obra estará à venda nas
lojas.
Leia trechos do livro "Lampião, O Mata Sete":
Tudo muito bem arrumado, em 20 de fevereiro de 1931, Maria Deia arrumou
seus trapos numa trouxa e deixando para trás tudo o que até então havia
feito, indo viver no bando como se mulher fosse de Lampião. (...) O
engenhoso Luís Pedro começou a se livrar então da grosseira e imunda
relação homossexual escassamente mantida, tendo por lucros na empreita,
luxuriosos amores, mantendo seus encontros consentidos pelo galhudo
capone, acobertados pela velha e famosa alcoviteira Delfina,
proprietária da Fazenda Pedra d?Água, em Canindé, sogra de Rosalvo,
conhecido coiteiro, compadre de Zé Sereno. Esses alcoviteiros se
beneficiavam sobremodo com as gordas propinas pagas pelos encontros aos
proveitos dos adúlteros. Delfina servia como alcoviteira em maquinação
com seu filho, o fiel coiteiro Leônidas. Se Delfina nunca temeu
retaliação por parte do Touro Chifrudo, nome inspirado nas letras dos
gibis, folheados pelos vadios nas poucas tardes de descanso, empregado
com deboche dirigido ao trato do chefe, à distância de seus ouvidos, a
bem dizer. Delfina sabia do consentimento de Lampião aos licenciosos
encontros amorosos de Luís Pedro com Sinhá Deia. Todos sabiam o que os
dois viviam fazendo. O inesquecível Felino Bomfim Feitosa, escrivão e
tabelião do então Distrito Judiciário de Porto da Folha, depois na
Comarca de Canindé, muito bem conhecia e sabia contar sobre tudo isso: a
cornura e a alcovitice. E mais, muito mais. Nada vergonhoso afinal. O
papel de D. Deia era o de servir como companheira de cangaço, nunca o de
ser mulher do chefe dos criminosos, por não ter ele como incluir a
alcova mateira, para as impossíveis conjugações carnais. Pedro de Moraes,
cita a relação homossexual entre Lampião e seu companheiro Luís Pedro,
que foi morar com o cangaceiro na Fazenda Ouro Preto, no município de
Tocantinópolis, no Estado de Goiás.
Lampião foi marcado pelos infernos para não ser perdido de vista. Em
fevereiro de 1922, ao tentar assaltar a Fazenda Tabuleiro, de Neco
Alves, o grupo no qual se encontrava travou severa luta armada com a
tropa do Tenente Galdino. Num momento qualquer, ao correr se esquivando
das balas contra ele dirigidas, deixou cair ao chão o seu chapéu todo
enfeitado com espelhos, moedas e fitas de tafetá, pentagramas, símbolos
de Salomão e dos poderosos. Uma graça de chapéu e enfeites... Ao
voltar-se, tentando pegá-lo, sem retaguarda escudeira, sem adargas, foi
atingido por três projéteis um dos quais, na cabeça; outro no braço
direito, sem maiores gravidades aos dois; o terceiro, porém, atingiu-o
em cheio, esfrangalhando a bolsa escrotal, esbagaçando e mutilando os
símbolos do machismo, emprestados pela genética na organização
antropológica. Ferido, sucumbindo ao chão da estrada, se arrastando
sobre um rastro de sangue, deixando restos da massa testicular,
dizimando os últimos vestígios da masculinidade, a marca de macho,
danificando a máquina da virilidade. Pedro de Moraes, Trecho do livro
"Lampião, O Mata Sete" em que tenta confirmar a teoria de que Expedita
não é filha do cangaceiro.
Uol
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