Veja destaca: em Campina Grande, 'ilha tucana' resiste no Nordeste
No
mapa eleitoral brasileiro uma "ilha azul" desponta imersa no "mar
vermelho" em que o Nordeste se transforma. Em meio à esmagadora vitória
da presidente-candidata Dilma Rousseff (PT) nas cidades nordestinas,
Campina Grande, no agreste paraibano, resiste como uma trincheira
tucana.
O segundo maior colégio eleitoral da Paraíba, com 263.489
eleitores, foi a única grande cidade nordestina em que Aécio Neves saiu
vitorioso das urnas: teve 39,4% dos votos válidos, contra 32,1% da
petista. Além de ter vencido em Campina Grande, Aécio teve seu melhor
desempenho entre os Estados nordestinos na Paraíba: 23,38% dos votos
válidos. O tucano também venceu em Buerarema (BA), embora o município
rural do sul baiano, envolto em um conflito de terras indígenas entre
fazendeiros e descendentes de índios tupinambás, tenha pouca expressão
no cenário nacional. Na pequena cidade de apenas 10.723 eleitores, Aécio
teve 66,6%, e Dilma, 25,7%.
"Esse é o resultado da presença do
Aécio, que visitou Campina Grande nos festejos juninos e fez encontros
com empresários e teve contato com a população. Nossa região valoriza
demais a presença e possui uma massa crítica muito poderosa e
consistente vinda das universidades", disse o senador Cássio Cunha Linha
(PSDB), principal cabo eleitoral de Aécio na Paraíba e mais popular
político de Campina Grande na atualidade.
Com 402.902 habitantes,
Campina Grande fica encravada numa região de planalto a cerca de 2 horas
de viagem de João Pessoa, capital do Estado. Com clima ameno, a cidade é
um polo universitário, tecnológico e industrial. Lá funcionam a
Universidade Federal de Campina Grande, a Universidade Estadual da
Paraíba e instituições particulares de Ensino Superior, com cursos de
ponta em engenharia e computação, além de medicina.
Durante três
meses do ano as casas de Campina Grande exibem um número a mais no muro.
Além do registro oficial do endereço, elas estampam um adesivo redondo
com a legenda do PSDB. O responsável pela mais rica e mais intensa
campanha da cidade é o senador Cássio Cunha Lima (PSDB), candidato a
governador que liderou a votação no Estado e disputa o segundo turno
contra o governador e candidato à reeleição, Ricardo Coutinho (PSB),
agora apoiador de Dilma.
O desempenho de Aécio se deve
principalmente a uma "carona" no voto de Cunha Lima. Ele marcou 60,8% na
cidade contra apenas 29,9% de Coutinho. Aécio beneficiou-se
principalmente pelo foco em divulgar a legenda do PSDB. "Nós fizemos
campanha pedindo o voto casado. A gente reconhece que com a chegada de
Aécio à Presidência a gente vai ter acesso facilitado e que de certa
forma vai ser retribuído em ações no município", disse o prefeito Romero
Rodrigues (PSDB). "A gente não faz campanha de combate, a gente defende
o que observa que é melhor. Nossa campanha não é contra quem quer que
seja, mas a favor dos nossos candidatos."
Ainda existe, porém, um
voto cruzado em Campina Grande. Morador do Bairro das Nações, o lavrador
Leandro Marinho da Silva, de 36 anos, disse que prefere votar em Dilma e
Cássio Cunha Linha. "Aqui é geral Dilma e Cássio, vai mesmo pela
preferência do povo. O Cássio ajudou muita gente e a Dilma e o Lula
foram os melhores presidentes, sempre teve aumento de salário mínimo.
Ainda não sei em quem vou votar no segundo turno. Vou esperar os debates
para ver as propostas deles", disse enquanto trabalhava capinando um
terreno à beira da BR-104, que liga Campina Grande a Lagoa Seca.
Cunha
Lima mobilizou uma tropa de carros adesivados com seu rosto e o de
Aécio para o segundo turno. Também distribui ao menos 4 milhões de
santinhos "casados" dos dois. Se vencer, deve se catapultar como a
principal liderança tucana no Nordeste, já que a Paraíba será o único
Estado governado pelo partido na região. Seu grupo político do PSDB
retomou a prefeitura em 2012. Seu irmão Ronaldo Cunha Lima é
vice-prefeito de Romero Rodrigues, seu ex-secretário na prefeitura e no
governo do Estado, além de parente distante.
Por pressão das
universidades e do Conselho Regional de Medicina, segundo Rodrigues, a
cidade não aderiu ao programa Mais Médicos. A comunidade médica é
influente na região. Eleitor convicto do tucano, o obstetra e cirurgião
geral Marcos Moraes, de 67 anos, disse ter votado em Aécio por causa dos
projetos dele no governo de Minas Gerais. "Se tiver alguém em sã
consciência que nem fale o nome desta 'Guevara' aqui", disse comparando
Dilma ao guerrilheiro Che Guevara. "Estou revoltado com essa
esculhambação na Petrobras. O mensalão foi fichinha. Votei em Aécio
vendo o passado dele, a história e o que ele fez em Minas Gerais. E já
vendo esse descalabro para a banda de Dilma, qualquer um foge. O peso
maior é justamente o desencanto dos campinenses com os aliados do
governo federal, o PMDB."
"Campina é uma cidade atípica no
Nordeste, um polo universitário e de Saúde, tem um setor forte comercial
e industrial. A expectativa de mudança evidentemente foi capitaneada
pela liderança do senador Cássio, esse grupo político do qual faço parte
teve uma influência no desempenho de Aécio. Ele veio nessa onda da
mudança", diz o prefeito Romero Rodrigues. "Nossa cidade é estruturada e
de certa forma pensa na frente. A gente observa uma certa instabilidade
econômica, e o Aécio traz uma expectativa de confiança de melhoria, que
influencia positivamente no empresariado."
Entre as principais
fábricas, está a sede da Alpargatas. A empresa, que doou 3 milhões de
reais ao PSDB, é a maior financiadora do partido na Paraíba até a
segunda prestações de contas entregue à Justiça Eleitoral. O maior
montante, 2,7 milhões de reais, foi destinado à campanha de Cássio Cunha
Lima, e outros 300.000 reais foram parar no comitê de um de seus
filhos, Pedro. Em comparação, a Alpargatas contribuiu com 800.000 reais
para a campanha do governador Ricardo Coutinho (PSB), segundo dados da
prestação parcial de contas.
Terra natal - Duas
famílias rivalizam no cenário local e se revezam no poder: os Vital do
Rêgo, clã do PMDB, e os Cunha Lima, clã do PSDB. Os tucanos superaram os
peemedebistas neste ano, com o avanço de Cássio Cunha Lima ao segundo
turno do governo estadual. Filho de Ronaldo Cunha Lima, tradicional
político paraibano, Cássio já foi deputado constituinte, líder do PMDB
na Câmara, prefeito de Campina Grande por três vezes. Eleito governador
por duas vezes, não terminou o segundo mandato por ter sido cassado pela
Justiça Eleitoral por abuso de poder político e econômico nas eleições
de 2006. Chegou a ser temporariamente impedido de assumir o cargo de
senador em 2011, com base na Lei da Ficha Limpa. Agora, tenta voltar ao
comando do Estado.
Filho do senador Cássio, o advogado Pedro
Cunha Lima, de 26 anos, elegeu-se para a Câmara como o deputado mais
votado da Paraíba (179.886 voto) seguido pelo ex-prefeito de Campina
Grande Veneziano Vital do Rêgo Neto (177.680 votos), irmão do senador
Vital do Rêgo Filho, candidato derrotado ao governo do Estado - a mãe
deles, Nilda Gondim do Rêgo, é a suplente do senador eleito José
Maranhão (PMDB), de 81 anos, o mais velho a entrar no Senado.
Cunha
Lima também conseguiu instalar dois vereadores tucanos de sua base em
Campina Grande na Assembleia Legislativa: seu primo Bruno Cunha Lima,
universitário de 22 anos, e Tovar Correia Lima, com quem também possui
relações familiares, embora negue parentesco direto. Na madrugada de
domingo passado, Tovar foi detido por fiscais eleitorais em flagrante e
autuado pela Polícia Federal por compra de votos. Equipes o encontraram
com cestas básicas e material de construção, além de santinhos e
adesivos de campanha, circulando em dois carros com familiares no bairro
das Malvinas, um dos mais populosos da cidade.
O deputado
estadual eleito teve de pagar fiança de 50.000 reais para ser solto. A
PF instaurou inquérito sobre o caso, já que a origem do material não foi
esclarecida. Na sexta-feira anterior ao pleito, o filho do deputado
federal Wellington Roberto (PR-PB), Bruno Roberto, também foi detido
pela PF com contas de luz e água pagas em um carro com material de
campanha da mesma coligação.
Policiais federais relataram ao site
de VEJA que o crime eleitoral é comum na região. Para garantir a
segurança nos domingos de votação, a Justiça Eleitoral solicitou o envio
de tropas do Exército para Campina Grande, no primeiro e no segundo
turno. O motivo é o histórico recente de intimidações de eleitores e de
conflitos entre forças de segurança. Nas campanhas de 2010 e 2012, a PF
registrou ocorrências como parentes de candidatos armados e o
envolvimento de policiais militares em campanhas: um suposto coronel
jogou santinhos em frente a um local de votação e ameaçou oficiais do
Tribunal Regional Eleitoral. Outro grupo de PMs fechou uma rua para
impedir que federais abordassem um carro de um candidato suspeito de
compra de votos.
Guerra de cores - Além de polo
econômico, Campina Grande é o epicentro político da Paraíba: é a cidade
onde a campanha é mais efervescente. As ruas e casas se transformam com
as cores dos partidos e candidatos. Na Paraíba, os tucanos adotam a cor
amarela como símbolo de campanha e espalham fitas amarradas nos portões
das casas. Os pessebistas usam um girassol como ícone da campanha de
Ricardo Coutinho e usam a cor laranja. O vermelho serve ao PT e ao PMDB.
Nos domingos de votação, formam-se filas de eleitores vestidos nas
cores dos partidos em frente às zonas eleitorais. Nos bares, moradores
fazem apostas em dinheiro vivo sobre quem vai sair vencedor e quem será
derrotado. Nos debates na TV, as cores apareciam nas gravatas dos
candidatos.
"Acho que a Dilma foi uma boa presidente, mas a gente
não vai deixar o país entregue ao PT toda vida, senão vai virar Cuba",
diz o motorista de ônibus aposentado José Bezerra de Santana, de 64
anos. Para complementar a renda de aposentado, ele faz bicos
transportando vizinhos em seu Fiat Uno. Era o que fazia quando conversou
com a reportagem, acompanhando uma senhora em atendimento na UPA de
Campina Grande. "Nossa presidente diz que não tem inflação porque ela
não vai à feira. Se ela fizesse feira todo mês, ela veria que os preços
estão sempre aumentando."
Veja
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