segunda-feira, 13 de outubro de 2014

"Ilha azul"


Veja destaca: em Campina Grande, 'ilha tucana' resiste no Nordeste


Veja destaca: em Campina Grande, 'ilha tucana' resiste no NordesteNo mapa eleitoral brasileiro uma "ilha azul" desponta imersa no "mar vermelho" em que o Nordeste se transforma. Em meio à esmagadora vitória da presidente-candidata Dilma Rousseff (PT) nas cidades nordestinas, Campina Grande, no agreste paraibano, resiste como uma trincheira tucana.
O segundo maior colégio eleitoral da Paraíba, com 263.489 eleitores, foi a única grande cidade nordestina em que Aécio Neves saiu vitorioso das urnas: teve 39,4% dos votos válidos, contra 32,1% da petista. Além de ter vencido em Campina Grande, Aécio teve seu melhor desempenho entre os Estados nordestinos na Paraíba: 23,38% dos votos válidos. O tucano também venceu em Buerarema (BA), embora o município rural do sul baiano, envolto em um conflito de terras indígenas entre fazendeiros e descendentes de índios tupinambás, tenha pouca expressão no cenário nacional. Na pequena cidade de apenas 10.723 eleitores, Aécio teve 66,6%, e Dilma, 25,7%. 
"Esse é o resultado da presença do Aécio, que visitou Campina Grande nos festejos juninos e fez encontros com empresários e teve contato com a população. Nossa região valoriza demais a presença e possui uma massa crítica muito poderosa e consistente vinda das universidades", disse o senador Cássio Cunha Linha (PSDB), principal cabo eleitoral de Aécio na Paraíba e mais popular político de Campina Grande na atualidade.
Com 402.902 habitantes, Campina Grande fica encravada numa região de planalto a cerca de 2 horas de viagem de João Pessoa, capital do Estado. Com clima ameno, a cidade é um polo universitário, tecnológico e industrial. Lá funcionam a Universidade Federal de Campina Grande, a Universidade Estadual da Paraíba e instituições particulares de Ensino Superior, com cursos de ponta em engenharia e computação, além de medicina.
Durante três meses do ano as casas de Campina Grande exibem um número a mais no muro. Além do registro oficial do endereço, elas estampam um adesivo redondo com a legenda do PSDB. O responsável pela mais rica e mais intensa campanha da cidade é o senador Cássio Cunha Lima (PSDB), candidato a governador que liderou a votação no Estado e disputa o segundo turno contra o governador e candidato à reeleição, Ricardo Coutinho (PSB), agora apoiador de Dilma. 
O desempenho de Aécio se deve principalmente a uma "carona" no voto de Cunha Lima. Ele marcou 60,8% na cidade contra apenas 29,9% de Coutinho. Aécio beneficiou-se principalmente pelo foco em divulgar a legenda do PSDB. "Nós fizemos campanha pedindo  o voto casado. A gente reconhece que com a chegada de Aécio à Presidência a gente vai ter acesso facilitado e que de certa forma vai ser retribuído em ações no município", disse o prefeito Romero Rodrigues (PSDB). "A gente não faz campanha de combate, a gente defende o que observa que é melhor. Nossa campanha não é contra quem quer que seja, mas a favor dos nossos candidatos."
Ainda existe, porém, um voto cruzado em Campina Grande. Morador do Bairro das Nações, o lavrador Leandro Marinho da Silva, de 36 anos, disse que prefere votar em Dilma e Cássio Cunha Linha. "Aqui é geral Dilma e Cássio, vai mesmo pela preferência do povo. O Cássio ajudou muita gente e a Dilma e o Lula foram os melhores presidentes, sempre teve aumento de salário mínimo. Ainda não sei em quem vou votar no segundo turno. Vou esperar os debates para ver as propostas deles", disse enquanto trabalhava capinando um terreno à beira da BR-104, que liga Campina Grande a Lagoa Seca.
Cunha Lima mobilizou uma tropa de carros adesivados com seu rosto e o de Aécio para o segundo turno. Também distribui ao menos 4 milhões de santinhos "casados" dos dois. Se vencer, deve se catapultar como a principal liderança tucana no Nordeste, já que a Paraíba será o único Estado governado pelo partido na região. Seu grupo político do PSDB retomou a prefeitura em 2012. Seu irmão Ronaldo Cunha Lima é vice-prefeito de Romero Rodrigues, seu ex-secretário na prefeitura e no governo do Estado, além de parente distante.
Por pressão das universidades e do Conselho Regional de Medicina, segundo Rodrigues, a cidade não aderiu ao programa Mais Médicos. A comunidade médica é influente na região. Eleitor convicto do tucano, o obstetra e cirurgião geral Marcos Moraes, de 67 anos, disse ter votado em Aécio por causa dos projetos dele no governo de Minas Gerais. "Se tiver alguém em sã consciência que nem fale o nome desta 'Guevara' aqui", disse comparando Dilma ao guerrilheiro Che Guevara. "Estou revoltado com essa esculhambação na Petrobras. O mensalão foi fichinha. Votei em Aécio vendo o passado dele, a história e o que ele fez em Minas Gerais.  E já vendo esse descalabro para a banda de Dilma, qualquer um foge. O peso maior é justamente o desencanto dos campinenses com os aliados do governo federal, o PMDB."
"Campina é uma cidade atípica no Nordeste, um polo universitário e de Saúde, tem um setor forte comercial e industrial. A expectativa de mudança evidentemente foi capitaneada pela liderança do senador Cássio, esse grupo político do qual faço parte teve uma influência no desempenho de Aécio. Ele veio nessa onda da mudança", diz o prefeito Romero Rodrigues. "Nossa cidade é estruturada e de certa forma pensa na frente. A gente observa uma certa instabilidade econômica, e o Aécio traz uma expectativa de confiança de melhoria, que influencia positivamente no empresariado."
Entre as principais fábricas, está a sede da Alpargatas. A empresa, que doou 3 milhões de reais ao PSDB, é a maior financiadora do partido na Paraíba até a segunda prestações de contas entregue à Justiça Eleitoral. O maior montante, 2,7 milhões de reais, foi destinado à campanha de Cássio Cunha Lima, e outros 300.000 reais foram parar no comitê de um de seus filhos, Pedro. Em comparação, a Alpargatas contribuiu com 800.000 reais para a campanha do governador Ricardo Coutinho (PSB), segundo dados da prestação parcial de contas.
Terra natal - Duas famílias rivalizam no cenário local e se revezam no poder: os Vital do Rêgo, clã do PMDB, e os Cunha Lima, clã do PSDB. Os tucanos superaram os peemedebistas neste ano, com o avanço de Cássio Cunha Lima ao segundo turno do governo estadual. Filho de Ronaldo Cunha Lima, tradicional político paraibano, Cássio já foi deputado constituinte, líder do PMDB na Câmara, prefeito de Campina Grande por três vezes. Eleito governador por duas vezes, não terminou o segundo mandato por ter sido cassado pela Justiça Eleitoral por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2006. Chegou a ser temporariamente impedido de assumir o cargo de senador em 2011, com base na Lei da Ficha Limpa. Agora, tenta voltar ao comando do Estado. 
Filho do senador Cássio, o advogado Pedro Cunha Lima, de 26 anos, elegeu-se para a Câmara como o deputado mais votado da Paraíba (179.886 voto) seguido pelo ex-prefeito de Campina Grande Veneziano Vital do Rêgo Neto (177.680 votos), irmão do senador Vital do Rêgo Filho, candidato derrotado ao governo do Estado - a mãe deles, Nilda Gondim do Rêgo, é a suplente do senador eleito José Maranhão (PMDB), de 81 anos, o mais velho a entrar no Senado.
Cunha Lima também conseguiu instalar dois vereadores tucanos de sua base em Campina Grande na Assembleia Legislativa: seu primo Bruno Cunha Lima, universitário de 22 anos, e Tovar Correia Lima, com quem também possui relações familiares, embora negue parentesco direto. Na madrugada de domingo passado, Tovar foi detido por fiscais eleitorais em flagrante e autuado pela Polícia Federal por compra de votos. Equipes o encontraram com cestas básicas e material de construção, além de santinhos e adesivos de campanha, circulando em dois carros com familiares no bairro das Malvinas, um dos mais populosos da cidade.
O deputado estadual eleito teve de pagar fiança de 50.000 reais para ser solto. A PF instaurou inquérito sobre o caso, já que a origem do material não foi esclarecida. Na sexta-feira anterior ao pleito, o filho do deputado federal Wellington Roberto (PR-PB), Bruno Roberto, também foi detido pela PF com contas de luz e água pagas em um carro com material de campanha da mesma coligação.
Policiais federais relataram ao site de VEJA que o crime eleitoral é comum na região. Para garantir a segurança nos domingos de votação, a Justiça Eleitoral solicitou o envio de tropas do Exército para Campina Grande, no primeiro e no segundo turno. O motivo é o histórico recente de intimidações de eleitores e de conflitos entre forças de segurança. Nas campanhas de 2010 e 2012, a PF registrou ocorrências como parentes de candidatos armados e o envolvimento de policiais militares em campanhas: um suposto coronel jogou santinhos em frente a um local de votação e ameaçou oficiais do Tribunal Regional Eleitoral. Outro grupo de PMs fechou uma rua para impedir que federais abordassem um carro de um candidato suspeito de compra de votos.
Guerra de cores - Além de polo econômico, Campina Grande é o epicentro político da Paraíba: é a cidade onde a campanha é mais efervescente. As ruas e casas se transformam com as cores dos partidos e candidatos. Na Paraíba, os tucanos adotam a cor amarela como símbolo de campanha e espalham fitas amarradas nos portões das casas. Os pessebistas usam um girassol como ícone da campanha de Ricardo Coutinho e usam a cor laranja. O vermelho serve ao PT e ao PMDB. Nos domingos de votação, formam-se filas de eleitores vestidos nas cores dos partidos em frente às zonas eleitorais. Nos bares, moradores fazem apostas em dinheiro vivo sobre quem vai sair vencedor e quem será derrotado. Nos debates na TV, as cores apareciam nas gravatas dos candidatos.
"Acho que a Dilma foi uma boa presidente, mas a gente não vai deixar o país entregue ao PT toda vida, senão vai virar Cuba", diz o motorista de ônibus aposentado José Bezerra de Santana, de 64 anos. Para complementar a renda de aposentado, ele faz bicos transportando vizinhos em seu Fiat Uno. Era o que fazia quando conversou com a reportagem, acompanhando uma senhora em atendimento na UPA de Campina Grande. "Nossa presidente diz que não tem inflação porque ela não vai à feira. Se ela fizesse feira todo mês, ela veria que os preços estão sempre aumentando."
Veja

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