SEU LUNGA DETONA: "Copa não leva ninguém pra frente"
Seu
Lunga não gosta de qualquer tipo de jogo. Nem festa nem bebida. Ou
seja, ele detesta a atual algazarra em torno da Copa do Mundo. “Não
gosto de jogar nada: só jogo pedra”, corta o senhor octagenário que
ganhou há quatro décadas o título de “o homem mais ignorante do Brasil”
depois que seu mau-humor saiu das ruas de Juazeiro do Norte (CE) para os
cordéis, as TVs e as internetes do Nordeste e do Brasil afora.
“Futebol
só coloca o sujeito para trás. Serve para tirar dinheiro dos bobos e
dar para os espertos. Essa Copa é a maior prova que jogo não leva
ninguém pra frente”, critica o vendedor de sucata Joaquim dos Santos
Rodrigues, que nunca jogou futebol e foi só uma única vez a um estádio
de futebol.
Seu
Lunga era novo, e o jogo reunia os times de Juazeiro e da vizinha
cidade de Crato. “Só deu pancadaria. O campo estava em obras e acabou em
uma chuva de concreto e tijolo. Nunca esqueci aquela cachorrada”,
conta. E nunca mais assistiu a uma partida na vida, nem pela televisão.
Sua
notoriedade começou em 1983 com a publicação do cordel “As Histórias de
Seu Lunga – o Homem mais Zangado do Mundo”. O autor, Abraão Batista,
coletou os casos contados no sertão sobre o comerciante sem paciência.
Com um pouco de invencionice, o cordelista criou um personagem que
entrou para o folclore nordestino.
Foi
tamanho o sucesso de vendas que, a partir dessa obra, surgiram outros
77 títulos de 39 cordelistas diferentes, com títulos como “Discussão do
Seu Lunga com um Corno”, “Seu Lunga na Fila do INSS”, “Seu Lunga,
Tolerância Zero”, “A carta de Seu Lunga para FHC sobre o Apagão” e “Seu
Lunga, um caipira na ONU”.
Entre
as muitas piadas, uma é clássica: “Um bancário encontrou o velho
ranzinza e avisou: `A promissória venceu, seu Lunga´. `Meu filho, pra
mim podia ter perdido ou empatado. Não torço para nenhuma promissória´,
respondeu de cara o velhote”.
A
superexposição trouxe repórteres, documentaristas e uma romaria de
turistas para sua acanhada loja no centro de Juazeiro do Norte, terra de
Padre Cícero, do qual Seu Lunga é devoto. Depois de “Padim Ciço”, o
sucateiro ranheta é a figura mais conhecida da capital herética do
Brasil.
A
fama é tanta que muita gente acha até que ele é apenas um personagem
fictício. E quem descobre que Seu Lunga é uma lenda viva (de carne, osso
e muita acidez) coloca logo uma visita ao seu comércio no roteiro se
passar por Juazeiro do Norte. Por lá, ele vende de tudo, de melancia
colhidas de seu sítio até TV valvuladas.
Seu
Lunga tem até bastante paciência com os forasteiros. Muitos, temerosos,
ficam na calçada em frente e fotografam de longe. Outros se arriscam e
puxam prosa. Só não pode falar “vim lhe visitar” que ele dispara: “Eu
não estou doente para receber visita”.
Se
for comprar algo, não questione “isso é para vender?” que Seu Lunga já
tem a patada na ponta da língua: “O único lugar onde se encontra coisa
exposta que não é pra vender é no museu”. Caso a indagação seja “mas
esse aparelho está funcionando?”, prepare-se que vem chumbo grosso:
“Como é que pode estar funcionando se não está ligado?”
As
respostas duras deram fama de ignorante ao comerciante. “O que eu não
gosto é de pergunta boba. Muita perguntação é safadeza”, resume. Para
ele, cada pergunta tem a resposta que merece.
Seu
Lunga fica mais zangado quando perguntam se são verdadeiros todos os
causos que publicam. Parece que só ele no mundo não acha graça nas
piadas. “É tudo invenção. Esses cachorros desses cordelistas só contam
mentira.” Seu Lunga até processou em 2008 um cordelista, argumentando
nos autos que “sua dignidade foi ferida” pela imagem de “grosseirão
dotado de incomum rudez”.
Ele
ganhou em primeira instância (com direito a multa diária de R$ 1.000 em
caso de venda do cordel), mas acabou perdendo a causa a seguir.
Perderia de qualquer jeito porque suas histórias foram parar no
Facebook, Twitter, blogs, comunidades e tudo quanto é rede social. E Seu
Lunga bomba na web, mesmo sem nunca ter tocado num computador que não
seja algum amarelado e empoeirado que vende como sucata na sua loja.
A
formação rígida do semiárido do Cariri o afastou de brincadeiras como
futebol. E o fez repudiar a construção de seu personagem. Ele admite que
há um fundo de verdade, mas se irrita com o exagero ficcional que
aumenta a comicidade.
O
sertanejo cabra bruto que não leva desaforo para casa, que entende tudo
ao pé da letra e tem sempre uma resposta atravessada entrou para o
imaginário popular. Certamente, há outros lungas pelo Brasil, mas nenhum
virou uma atração turística de sua cidade.
Aos
86 anos e pai de 13 filhos, Seu Lunga trabalha de segunda a sábado e
faz o trajeto a pé dos cinco quarteirões que separam sua casa do
trabalho.
Seu
Lunga tinha sete anos quando Padre Cícero morreu. E, como o pároco
milagreiro que fundou Juazeiro do Norte, virou político e foi expulso da
igreja católica, ele vai sobreviver a sua própria morte pela fama. Só
não vai ganhar um estádio em homenagem como o Romeirão, o principal de
Juazeiro e com título em referência aos milhares de romeiros que vão à
cidade do “Padim Ciço”. Afinal, um estádio chamado Lungão seria a última
e maior ofensa para um sujeito que não suporta futebol.
Blog do Tião Lucena com Cariri Ligado
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