Conheça movimento dos sem sexo que reúne religiosos
Quem são, o que querem e que os limites dos jovens do Eu escolhi espera
No último ano do curso de
Turismo de uma universidade em Teresópolis, a carioca Bruna Nunes teve
que conciliar os estudos com trabalho durante a Copa do Mundo.
Selecionada entre várias outras meninas, ela conseguiu uma vaga de
promotora de eventos do espaço de uma marca de sabão em pó na Granja
Comary. Entre uma demonstração e outra do produto, a jovem, de 22 anos,
via, de longe, a comissão técnica e os astros da seleção brasileira, que
ficaram concentrados no local. Um dia, resolveu chegar mais perto de
David Luiz.
— Descobri que ele também tinha escolhido esperar. Como eu — conta, enigmática.
A opção de Bruna e David Luiz é um dos pilares do movimento Eu Escolhi
Esperar (EEE), que defende o sexo somente depois do casamento:
— Entreguei um pacote com camiseta, livros e pulseiras da campanha, e a
gente tirou uma foto que foi publicada em vários lugares, incluindo um
jornal da Índia. Fiquei impressionada com a repercussão.
Antes do encontro e da pífia campanha do time no Mundial, o jogador do
Paris Saint-Germain tinha citado o EEE duas vezes em suas redes sociais.
Ao contrário do jogador Kaká, que afirmou ter casado virgem, David
Luiz, de 27 anos, sempre foi discreto e pouco comenta sobre suas
relações — muito menos as sexuais. Mas o fato é que, depois do breve
encontro dos dois, a campanha atraiu milhares de adeptos e curiosos. Na
página do grupo no Facebook, o número de curtidas quadruplicou desde
2012 e já batem os dois milhões. O zagueiro, que já conquistara a fama
de muso fora de campo, acabou virando garoto-propaganda informal do
movimento — a ponto de ganhar uma paródia, “David Luiz, eu resolvi
esperar você”, numa página de fãs na internet.
— Graças a ele, o movimento saiu das quatro paredes das igrejas
católica, batista e evangélica, gerou interesse num número ainda maior
de pessoas e, para a nossa surpresa, foi parar até em outros países —
comemora Carla Duarte, secretária executiva de uma multinacional de
Engenharia e integrante do EEE desde 2011.
No currículo da vida afetiva de Carla, de 27 anos, alguns rolos,
namoros, um noivado, decepções amorosas e, sim, experiências sexuais. Ao
contrário do que se imagina, quem não é mais virgem também pode voltar à
sala de espera. O segredo está em não renegar o passado e aceitar que, a
partir dali, é preciso se guardar totalmente para o futuro cônjuge.
— Algumas amigas me chamaram de louca, mas posso dizer que sou muito
mais feliz assim — garante Carla, sem namorado há três anos. — É claro
que tenho desejos. Eu não sou poste, né? O negócio é controlar a mente e
não beijar ninguém na boca. Pra mim, se acender em cima, acaba
esquentando embaixo.
Ana Carolina Terto, de 20 anos, é virgem e quer continuar assim,
intacta, até o casamento. O grande desafio é segurar a vontade de
acender em cima, já que está sem namorado firme no momento. Colunista do
site do EEE, Ana escreve sobre os mais diferentes assuntos em seus
posts. O último deles foi intitulado “Muita calma nessa hora”. Por causa
de seus textos, recebe e-mails de gente de todo o país, e virou uma
espécie de consultora virtual para quem quer aprender a resistir às
tentações.
— Da noite para o dia virei uma referência para outros jovens, e o que
eu explico é que não é exatamente a castidade que buscamos. Queremos
relacionamentos saudáveis e duradouros — diz Ana Carolina, funcionária
de uma seguradora.
A oficial da Marinha Mercante Nelsiane Carrara conheceu o Eu Escolhi
Esperar via internet, há três anos. Desde então, ela confessa que teve
algumas recaídas. Namorou durante seis meses e ainda ficou com alguns
rapazes depois. Mas ela jura: não rolou nada além de beijo.
— Foi aí que eu percebi que isso não estava me fazendo bem e que estava
indo contra o que eu mesmo acreditava. Agora, estou há um ano e três
meses sem me envolver com ninguém. Ninguém mesmo — afirma Nelsiane, 25
anos.
Até antes de se conhecerem e começarem a namorar, Cássio Pedroso e Sara
Costa pensavam como a colega do EEE. Juntos há pouco mais de um ano, não
são mais tão radicais. Quando se encontram, por exemplo, não economizam
nas carícias. Tem beijo, abraço e conversa ao pé do ouvido seguida de
risadas e outros carinhos. Transar, eles garantem, só depois de subir ao
altar, na noite de núpcias.
— Não me finjo de santa. Cássio sabe de tudo que já vivi e não tenho por
que esconder nada. Mas agora tudo é diferente: resolvi esperar por ele —
afirma a estudante de História, de 22 anos, ainda sem previsão de
quando será o grande dia.
Como Cássio e Sara, cada casal tenta estabelecer suas próprias regras
dentro do relacionamento. No entanto, o idealizador do movimento, o
carioca Nelson Junior, destaca alguns “mandamentos’’ importantes. Em
vídeo publicado no canal do EEE no YouTube, que tem mais de 1,3 milhão
de visualizações, ele diz: “A maioria das pessoas que se casou virgem só
guardou a merenda para o recreio. Mas o que adianta fazer isso se o
parquinho está liberado? É uma hipocrisia.”
A masturbação, outro tema polêmico, é sumariamente condenada. “Toda
pessoa que se masturba precisa abusar da criatividade sexual e fantasiar
sendo tocado por uma outra pessoa. Por exemplo, ninguém se masturba
pensando num iPhone”, brinca o pastor de 37 anos, sempre usando uma
linguagem engraçadinha e cheia de gírias.
A história de Nelson foi a inspiração para a criação de uma conta no
Twitter em 2011. Ele se casou virgem aos 21 anos e até hoje vive com a
mesma mulher. Com a repercussão crescente, a campanha virou um
instituto, tem uma equipe de oito pessoas baseada em Vila Velha, no
Espírito Santo, e uma loja virtual que vende diversos produtos
temáticos, como livros, DVDs, chaveiros e pulseiras.
— Eu mesmo sofri bullying por parte dos meus amigos quando dizia que não
tinha tido relação sexual com ninguém, que foi uma decisão pessoal e
não uma imposição religiosa. Mas hoje, mais do que falar sobre
virgindade, queremos debater a cultura dos relacionamentos descartáveis e
mostrar que não somos extraterrestres só porque achamos que prazer
sexual não pode estar em primeiro lugar — acredita o pai de Ana
Carolina, de 7 anos, e Milena, de 4 anos.
Com 80% dos integrantes mulheres e com idade entre 18 e 30 anos, o Eu
Escolhi Esperar tem como símbolo uma mão espalmada com um anel no dedo
anelar. A aliança é um dos produtos de maior sucesso, o único que não é
vendido pelo site. Os aneis em prata só estão disponíveis para quem
participa de encontros, que normalmente acontecem nos finais de semana e
têm taxa simbólica de até R$ 20. Em fevereiro, cerca de oito mil
pessoas estiveram em Fortaleza para ouvir Nelson e, por que não?,
conhecer possíveis candidatos a futuros maridos e esposas.
— Acho que esse é o melhor lugar para você encontrar alguém que pense
exatamente como você. Estou ansiosa aguardando o próximo evento no Rio —
conta a corretora de seguros Adriana Laurindo, de 33 anos, simpatizante
do grupo há sete meses.
Antes de São Gonçalo, que tem seminário marcado para o dia 22 de
setembro, Nelson embarca no sábado que vem para Pernambuco, onde explana
suas ideias sobre sexo, castidade e casamento em Recife e Caruaru. Até
outubro, passará ainda por Brasília, Campinas, Carapicuíba, Goiânia e
São José dos Campos. Em 29 de agosto, Coral Springs, na Flórida, será
seu destino.
Para os próximos meses estão marcadas palestras para as comunidades
brasileiras em Portugal, Itália, Japão e Guiné Bissau. No fim do ano, a
grande atração é um cruzeiro com atividades para os “casados e os não
casados”. O navio Costa Favolosa, com teatro, cinema 4D, piscinas e
academia de ginástica, sai de Santos no dia 13 de dezembro, numa viagem
de três dias por Angra dos Reis e Ilhabela, com preços entre R$ 1.266
(cabine interna dupla) e R$ 2.116 (externa single).
Escolha de alguns famosos, como Miley Cyrus, Jonas Brothers e Selena
Gomez — ainda que muitos deles não tenham ido adiante no compromisso com
a castidade —, a virgindade é tema também de um programa na MTV
americana, que estreou no último dia 16. “Virgin territory” acompanha e
mostra os questionamentos de 15 virgens entre 19 e 23 anos. Até o final
da série, o público vai descobrir quem conseguiu (ou não) controlar os
próprios desejos.
— É muito importante dar aos jovens alternativas para que eles possam,
sem pressão, fazer escolhas verdadeiras — acredita a americana Wendy
Shalit, especialista no assunto e autora dos livros “The good girl
revolution” (2008) e “A return to modesty: discovering the lost virtue”,
não lançados no Brasil.
Para a sexóloga e colunista do GLOBO Laura Muller, não há regra que
funcione para todos quando o tema é sexo:
— Cada um deve escolher como viver sua própria sexualidade, descobrindo
os seus limites e caminhos. Mas é importante lembrar que é possível,
sim, viver o sexo com amor, e também apenas por prazer. Na minha
opinião, a palavra de ordem deve ser respeito.
O Globo
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