Os principais inimigos das mulheres que sofrem violência doméstica
Para advogado especializado em direitos das mulheres, crianças e parceiros, Lei Maria da Penha é efetiva, mas ainda tem obstáculos por superar
No Dia Internacional de Eliminação da Violência
Contra a Mulher, Francinelli Lira, de 29 anos, respira aliviada por ter
escapado da morte e seus agressores estarem presos. O marido e a sogra
planejaram assassinar a recepcionista por acharem que o filho que ela
esperava era de outro homem. Após ser atingida por três balas, sendo uma
disparada propositalmente na barriga pela aposentada Elza Maria da
Costa Neves, de 58 anos, Francinelli, mãe de outros dois filhos do mesmo
pai, bateu o carro em uma carreta tentando se salvar.
Leia também
Quando chegou ao hospital, com sorte viu seu
bebê de quatro meses ser salvo e denunciou o próprio marido e a mãe
dele. Ao deixar a UTI, cinco dias depois, respirou aliviada por saber
que os dois já estavam atrás das grades. “Espero que fiquem lá por muito
tempo. O suficiente para as crianças crescerem e não terem contato com
eles ainda pequenos”.
Francinelli escapou de uma estatística que
estimou, entre 2009 e 2011, 5,82 óbitos para cada 100 mil mulheres. "Em
média ocorrem 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano,
472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia”, relata o
estudo “Violência Contra a Mulher: Feminicídios no Brasil”, publicado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no último mês.
Segundo a pesquisa, a Lei Maria da Penha não conseguiu
reduzir as mortes em decorrência de violência doméstica. Dados do
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde
apontam que houve uma pequena queda na taxa em 2007, logo após a
vigência da lei, mas depois o número voltou a crescer.
Silêncio
Não foi a primeira vez que Emerson Rogério
Neves, 40, tentou matar Francinelli. Agressões físicas eram frequentes.
“Ele tentava me estrangular e me dava murros na cara”, conta. Foram
abertos três boletins de ocorrências por causa dos abusos do
caminhoneiro. Todos posteriormente retirados por causa de ameaças. “Ele
precisava ter o nome limpo para arranjar emprego. Retirei as queixas por
essa razão”.
Presidente da Associação Brasileira de Defesa
da Mulher, da Infância e da Juventude (ABRASD) e membro do Conselho
Estadual da Condição Feminina, a advogada Dalila Figueiredo afirma que
não dá para julgar as atitudes de mulheres que apanham e sofrem abuso de
seus companheiros. Ao longo de seus 17 anos de trabalho com as vítimas,
percebeu que cada uma tem seu tempo para tomar decisões.
“Não existem erros cometidos por essas
mulheres. Ela pode ter todas as medidas protetivas, mas aí o marido liga
dizendo que só quer devolver umas fotos que estão com ele. Ela cai na
cilada e quando abre a porta, toma três tiros e morre”, diz Dalila.
O silêncio pode ser o pior inimigo em casos de violência
doméstica, pois faz com que as agressões se repitam. Por isso o
enfrentamento da violência é necessário, conforme consta do artigo 226
da Constituição Federal.
Mas, na prática, nem sempre é o que acontece. “Elas têm
medo de denunciar o marido por causa de dinheiro. Ou sentem-se indefesas
e fracas diante das ameaças dos homens, calando-se e deixando a
situação de lado”, diz Angelo Carbone, advogado de Francinelli e autor
do “Manual das Mulheres”,
uma cartilha que ensina os direitos de quem sofre violência e está disponível gratuitamente na internet.
Obstáculos
Para a psicóloga Ana Paula Mallet, do Grupo da
Saúde da Mulher da Unifesp, a mulher agredida muitas vezes minimiza os
fatos por culpa, como se ela fosse a responsável pelo destempero
emocional do companheiro. E ainda encara o apoio inverso dos familiares.
“O discurso se torna ‘foi você que escolheu se casar com ele, agora tem
que suportar esta situação’”, diz Ana Paula.
Para todos os efeitos, a coisa certa a se fazer
é procurar a Delegacia da Mulher e acionar a Lei Maria da Penha, em
vigor desde 2007. Lá, a mulher tem atendimento especializado para
situações como essas. Segundo Carbone, medidas protetivas são tomadas,
em 48 horas, pela delegada, que providencia duas petições: uma para que a
mulher receba de 33 a 50% do ordenado do marido, e outra para que ele
saia imediatamente de casa e mantenha 300 metros de distância da mulher.
Se o agressor se aproximar, ela deve ligar para o 190 e a
polícia entrará em ação. A mulher agredida também terá direito a dois
anos de pensão para se reciclar e entrar para o mercado de trabalho. “É
uma lei de vanguarda que defende os interesses da mulher brasileira, que
sofre agressão há 500 anos”, afirma.
O objetivo do "Manual das Mulheres" é popularizar as
leis, permitindo que a vítima saiba de seus direitos e possa exercê-los
sem necessariamente gastar dinheiro com um advogado, custo muitas vezes
inacessível. E não só as mulheres estão cobertas pela Lei. “Isso também
vale para o homossexual que tomou uma surra do companheiro e para
crianças que sofrem lesões corporais”.
Leia também:
dor de parto é ironizada nas maternidades
Agressores
Se a mulher foi agredida verbalmente, também
vale ir à delegacia da mulher para abrir um BO. Na segunda denúncia, o
agressor já não será visto com bons olhos. Na terceira agressão é
decretada a prisão. “Não importa se a agressão é física ou verbal. Um
inquérito deverá ser instaurado e o agressor terá que responder por seus
atos”.
Não existe um perfil de violador dos direitos
da mulher. “São homens de todas as classes sociais, idades e profissões.
Desde adolescentes a sexagenários. Já atendi uma idosa que foi
estuprada pelo neto viciado em crack”, lembra Dalila. “Vejo que é muito
mais uma questão de gênero e de subalternidade. Eu escuto muitos deles
se justificarem: ‘Ela me desobedeceu’”.
Segundo a especialista, há agressores que só mudam de
endereço e já fizeram três, quatro vítimas. Isso porque a lei Maria da
Penha ainda é frouxa em relação à reabilitação do homem violento. Apesar
de considerar o código inovador, Dalila crê que ainda há um longo
caminho a percorrer. “Onde estão os centros de reabilitação no Brasil?”,
questiona. “Nos Estados Unidos, por exemplo, o agressor é obrigado a
participar de 90 sessões e ainda tem que pagar por isso. Se ele deixar
de comparecer a três delas, é imediatamente preso”.
Leia também
Nenhum comentário:
Postar um comentário