"Bancos fazem terrorismo ao prever perda bilionária com poupadores"
Defensores dos correntistas rebatem a catástrofe financeira anunciada pelo BC e o governo se o Supremo decidir pela correção dos planos econômicos na quarta-feira (27).
A decisão vai afetar um milhão de ações
individuais e mais de mil ações coletivas – e também o futuro de
investidores prejudicados há mais de 20 anos e que não foram à Justiça.
Até agora, todas as ações individuais dos
planos Verão e Bresser foram favoráveis aos poupadores. Embora o
entendimento jurídico penda a favor dos correntistas, os bancos e o
governo anunciaram um cenário apocalíptico para a economia do País caso o
Supremo dê razão aos correntistas.
Cálculos do BC e do Ministério da Fazenda dão
conta de que as perdas aos bancos ficarão entre R$ 105 e R$ 180 bilhões.
Nesta sexta-feira (22), o procurador-geral do BC, Isaac Ferreira, disse
em entrevista coletiva que uma eventual decisão a favor dos poupadores
provocaria uma retração na oferta de crédito
em torno de R$ 1 trilhão. “Significa reduzir um quarto do capital do sistema financeiro nacional”, disse.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, e o
ministro da Fazenda, Guido Mantega, também demonstraram preocupação com o
desfecho do julgamento. Além do enxugamento do crédito, os bancos
quebrariam e a o resto da conta seria repassada aos contribuintes.
Procurada pelo iG
, a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) afirmou não poder estimar
qual o atual provisionamento – reserva destinada para os pagamentos das
correções – dos bancos para os planos, já que trata-se de uma “decisão
individual de cada instituição financeira”.
Na outra ponta, quem defende os poupadores
contesta os cálculos das instituições financeiras, fala em
“desmoralização do Judiciário” e de prejuízo em dobro para os
investidores se perderem a causa.
O advogado especializado em direito bancário e
do consumidor, Alexandre Berthe, ajudou a conduzir cerca de 500
processos ligados aos planos no escritório Berthe e Montemurro
Advogados, e defende que a perda bilionária não faz sentido.
“Se considerarmos o valor máximo do prejuízo
aos bancos [R$ 180 bilhões] e dividirmos por 1 milhão de processos, cada
ação receberia o valor de R$ 180 mil, uma aberração numérica se
considerarmos a condição econômica da população”, defende.
Segundo um cálculo por amostragem dos processos
no escritório de Berthe, o valor das correções não ultrapassaria uma
média de R$ 10 mil por pessoa. Para o advogado, o cálculo é uma
tentativa de sensibilizar os ministros e desviar o foco jurídico do
julgamento.
“Considero terrorismo o que os bancos estão fazendo. Se o
STF mudar seu entendimento sem nenhuma inovação jurídica, será o fim do
judiciário. Vou até repensar se continuo advogando”, afirma Berthe.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec),
que ajuizou diversas ações a favor dos poupadores, também questiona o
valor calculado pelo BC e pela Fazenda. A entidade alega que nunca se
apresentou a lista de possíveis credores e valores devidos para
justificar como se chegou à quantia.
Nota de 1000 cruzados: moeda foi criada em 1986 para tentar conter inflação
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"O mais grave é o seguinte: de onde vêm esses
números? Por que os bancos e o BC não abrem para a sociedade quantos
eram os valores à época e o que é devido para cada poupador?", questiona
Flavio Siqueira Júnior, advogado do Idec, responsável por ações que
podem garantir a devolução a qualquer um que tivesse dinheiro na
poupança à época dos planos.
O advogado critica a falta de detalhamento dos
cálculos feitos na última semana, às vésperas do julgamento. "Os bancos
deixaram de cumprir uma norma estabelecida pelo próprio Estado e agora o
governo vai contra os poupadores?", questiona Siqueira Júnior. "Causa
estranheza essa pressão do próprio ministro da Fazenda."
Se no cenário mais catastrófico a correção
provocaria a quebra dos bancos, uma decisão contrária penalizaria em
dobro os poupadores, defendem os advogados. Além de ficarem sem a
correção, teriam de pagar as custas do processo, ou seja, os honorários
dos advogados que representam o setor bancário.
Berthe se diz perplexo por não ter havido
nenhuma manifestação pública do governo ou de entidades sobre o prejuízo
adicional que os poupadores terão. “O Estado só mobilizou um aparato a
favor dos bancos”, diz o advogado.
Se uma derrota do setor bancário pode impactar
negativamente o sistema financeiro, uma vitória pode minar a crença de
que a poupança é um investimento seguro, defende o Idec. "Vamos supor
que o STF diga que os bancos estão corretos: eu não confiaria mais na
poupança", argumenta Siqueira Júnior.
Sobre o argumento de que as correções provocariam uma
quebradeira no sistema financeiro nacional, Berthe defende que o
dinheiro pago vai beneficiar a economia. “O dinheiro dará poder
aquisitivo aos brasileiros e será injetado no mercado com a compra de
imóveis, utilização de serviços e consumo”, diz.
Relembre o caso
Lesados por perdas decorrentes dos planos econômicos que
visavam controlar a superinflação dos anos de 1980 e 1990, milhares de
brasileiros que investiam na poupança recorreram à Justiça pedindo a
aplicação de novos índices para a correção monetária de seus
investimentos.
As ações individuais chegaram a 1 milhão, enquanto
diversas entidades ajuizaram ações coletivas. Os processos correram em
todas as instâncias judiciais, sempre a favor dos correntistas
prejudicados pelos planos Bresser e Verão. O caso só chegou à Suprema
Corte do País depois de os bancos questionarem a constitucionalidade das
correções monetárias.
Caso o STF decida a favor dos poupadores, o recebimento
dos valores entrará em uma nova fase. Será preciso individualizar o que
cada correntista tem a receber, definir o valor das correções em cada
sentença e verificar se os prazos para ajuizar os processos foram
respeitados. Tudo isso pode demorar um bocado, o que abre a
possibilidade de os bancos chamarem os correntistas para fazer acordos, e
solucionar a questão mais rapidamente.
O boom de processos contra os bancos teve início em 2007,
quando se aproximava o prazo limite para ajuizar as ações contra o
Plano Bresser (1987). A quantidade de pedidos aumentou até 2009, data
final para pleitear a correção. Mas há casos judiciais que datam de
1987.
Todos os processos relacionados aos planos Bresser e
Verão (1989) foram julgados procedentes e consolidaram jurisprudência a
favor dos poupadores. Já em relação aos planos Collor 1 (1990) e Collor 2
(1991), não há entendimento jurídico consolidado, e houve inclusive
derrotas isoladas.
A solução para as ações de todos os planos será dada com
base no julgamento de seis ações pelo STF. Pelo menos três ministros da
Corte – Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello –
mostraram-se favoráveis aos correntistas.
ENTENDA O JULGAMENTO
O que foram os planos econômicos
Foram tentativas dos governos dos anos de 1980 e 1990 de controlar a hiperinflação do período através da correção monetária, afetando todos os consumidores que possuíam dinheiro aplicado na caderneta de poupança. São eles Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor 1 e Plano Collor 2. |
O que pedem os poupadores
Todos os correntistas que se sentiram prejudicados e ajuizaram ações contra os bancos pedem a aplicação de novos índices para a correção monetária que foi feita. Poipadores alegam ter perdido 20,37% de tudo o que aplicaram com o Plano Verão, o equivalente a R$ 29 bilhões, segundo o IDEC. São mais de 1 milhão de processos individuais e mil ações correndo em juízo. |
O que alegam os bancos
O sistema bancário, amparado pelo Banco Central (BC), recorreu ao Ministério da Justiça para tentar convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal de que uma decisão favorável aos correntistas teria consequências desastrosas para a economia. Os bancos alegam que perderão entre R$ 105 bilhões e R$ 180 bilhões com a decisão. |
Como o STF vai decidir
O julgamento do Supremo vai dar uma solução definitiva para todas as ações em aberto contra os planos econômicos. Os ministros julgarão como base em seis ações. Se os bancos vencerem, quem entrou com ação ficará sem a correção e terá que arcar com os honorários da parte contrária. Se a vitória for dos correntistas, os bancos terão que desembolsar a quantia devida a o que cada um perdeu. |
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