quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Livro "O Rei e Eu"

Primeiro livro sobre a vida do artista, "O Rei e Eu" teve os 70 mil exemplares apreendidos em 1979; leia entrevista

Roberto Filho/AgNews/Roberto Carlos


Há 34 anos, uma ação do cantor Roberto Carlos impedia a circulação de "O Rei e Eu" (Ediplan Editora), primeira biografia que radiografava a vida do astro da jovem guarda. 
O livro foi narrado por Nichollas Mariano, conhecido como "o mordomo do rei Roberto". Na verdade, "ele era um faz-tudo", como explica ao iG o escritor e psicoterapeuta Roberto Pinheiro Goldkorn.

Atualmente, Goldkorn dedica-se à carreira de psicoterapeuta, com 14 livros publicados na área, e nenhuma boa lembrança da época em que, aos 29 anos, tentou ganhar visibilidade com a editora, que havia acabado de abrir. "Estava começando uma editora séria, comprando títulos importantes, e parei tudo por causa dessa biografia. Era uma oportunidade de ganhar um dinheiro para alimentar e projetar a editora."
Goldkorn foi o editor do livro proibido e responsável por selecionar as passagens narradas por Mariano. "Eu 'desvirginei' o Roberto Carlos nas biografias, e parece que ele tomou gosto", brinca o ex-editor em alusão à biografia "Roberto Carlos em Detalhes", do jornalista Paulo César de Araújo, também impedida de ser vendida, em 2007.
"Um tesouro nas mãos"

O narrador de "O Rei e Eu", Nichollas Mariano (nome artístico de José Mariano da Silva Filho), não era propriamente um mordomo, mas uma espécie de secretário de Roberto Carlos. Quando foi demitido após mais de 10 anos de serviço, Mariano entendeu que "tinha um tesouro nas mãos" e quis compartilhar sua experiência com o cantor.
"Mordomo foi uma coisa inventada pelo produtor da época para dar um charme, mostrar que o Roberto Carlos era um cara que estaria a ponto de ter um mordomo." Mariano não é visto por Goldkorn há aproximadamente 15 anos. "Sei que estava em situação difícil, com problemas de saúde."
Reprodução/o disco de Nichollas Mariano
O cantor e o "mordomo" se conheceram na Rádio Carioca, no Rio de Janeiro, na década de 1960. Mariano trabalhava na rádio e tocava muitas músicas de Roberto. Estabeleceram uma amizade, depois um vínculo empregatício e o cantor até tentou levar Mariano para a jovem guarda ao ajudá-lo a lançar um compacto, em 1967, que não vingou.
"Fui um fugitivo"
A biografia "O Rei e Eu", encontrada atualmente em versões digitalizadas na internet e em sebos por cerca de R$ 250, foi publicada em 1979 e teve suas 70 mil cópias recolhidas no mesmo ano por ordem judicial.
"Os livros iam para o Rio de Janeiro para serem distribuídos em uma segunda-feira. No sábado, chegaram os oficiais de justiça, os advogados e a polícia para apreender tudo. Levaram um caminhão cheio com os 70 mil livros", recorda Goldkorn, que diz não ter nenhum exemplar da obra desde então.
Divulgação/Roberto Goldkorn
O ex-editor e seus advogados descobriram que a proibição era válida apenas para São Paulo e decidiram imprimir mais 15 mil cópias. Levadas de carro até o Rio, Goldkorn arriscou-se pela avenida Rio Branco para vender os livros proibidos dentro de caixotes de maçãs.
"Muito menos para ganhar dinheiro, porque o prejuízo já tinha sido imenso, mas para chamar a imprensa e mostrar o que estava acontecendo. Era uma época muito complicada, havia a ditadura ainda, a censura", relembra Goldkorn. "Entraram com uma ordem de prisão e tive de me esconder por uns dias até meu advogado recorrer. Fui um fugitivo."
"Roberto Carlos era o poder"
Mais de 30 anos depois do episódio, o editor se arrepende de ter levado a cabo o projeto da biografia do cantor. "Meu advogado esqueceu que o Roberto Carlos, mesmo naquela época, era o poder. Eu me arrependo porque (a proibição do livro) gerou sofrimento para todo mundo e muitas perdas."
Saída do Procure Saber
Ao comentar a recente saída de Roberto Carlos do grupo Procure Saber, que conta com nomes da MPB como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque e que se posicionava contra a publicação de biografias não autorizadas, Goldkorn diz que "não se surpreende".
"(Roberto Carlos) é o inoxidável da música brasileira. Ele não ia aguentar uma polêmica que sujasse a imagem dele, que ele superzela." Em paralelo à imagem do cantor, retratado em 1979, Goldkorn diz que acreditava que a obra "mostraria a dimensão humana de Roberto."
"É o cara que tem defeito, que erra, o livro fala de episódios de alta generosidade e do Roberto Carlos que adorava sexo. Achava que (o livro) o aproximaria das pessoas."
Censura contra trabalho acadêmico
O cantor parece não ter gostado de ter sido citado na dissertação de mestrado da professora Maíra Zimmermann, que resultou no livro “Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude” (Estação das Letras e Cores). Em abril de 2013, a autora recebeu uma notificação extrajudicial pedindo o recolhimento dos mil exemplares publicados.
"Meu advogado contranotificou o Roberto Carlos. Os advogados do cantor propuseram que houvesse acordo. Não aceitamos. Repentinamente silenciaram e jamais recebi qualquer outro documento judicial ou extrajudicial da parte do Roberto Carlos, o que me leva a supor desistência", conta Maíra ao iG.
Por enquanto, a obra que analisa o estilo de vida da juventude brasileira no contexto da jovem guarda, movimento do qual Roberto Carlos fez parte, continua à venda. "A história é feita por pessoas. Conhecer trajetórias é uma forma de conhecer a história. Não é possível desvincular o contexto cultural de um período da vida de suas figuras públicas, incluindo os artistas."

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