Como Eike, egocêntrico e vendedor de ilusões, afundou o Império X
iG analisa autobiografia lançada por ex-bilionário há dois anos e mostra os sonhos prometidos e o que de fato o "mito", como se auto-proclamou, entregou ao mercado
Em dezembro daquele ano,
Eike aproveitou toda a popularidade do momento e lançou a autobiografia
"O X da Questão – A trajetória do maior empreendedor do Brasil". O livro
alcançou 203 mil exemplares e foi o título mais vendido até hoje pela
editora Primeira Pessoa, braço da Editora Sextante especializado em
biografias.
Hoje, depois de 23
meses, ler o relato de Eike ao longo de rasas 159 páginas proporciona
momentos irônicos e analíticos. Irônicos porque sua autobiografia traz
um amontoado de clichês e afirmações que não passaram de promessas. Sem
nem um traço sequer de modéstia, o empresário avalia um de seus momentos
nos negócios – a exploração de uma operação de garimpo de ouro em Alta
Floresta, ao norte de Mato Grosso. "Os méritos maiores foram
persistência, obstinação, ousadia e o que as pessoas costumam qualificar
de capacidade visionária".
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Minha trajetória é a prova de que o capitalismo brasileiro está mais maduro (Eike Batista)
Sobram frases no livro de culto ao ego, como "sou um
empreendedor diferente da média", "sou perito em identificar diamantes
não polidos e aprendi, ao longo da vida, a polir esses diamantes". Ou
ainda "minha trajetória é a prova de que o capitalismo brasileiro está
mais maduro. As aberturas de capital de minhas companhias são
verdadeiros atestados de maioridade".
Ego, um grande companheiro
Ao
mesmo tempo que o livro confirma que Eike tem um ego difícil de ser
delimitado, mostra hoje a inconsistência do plano de negócios do
empresário. Naquela época, Eike afirmava no livro: "Por trás do mito, há
uma saga empresarial erguida acima de tudo com muito suor e trabalho...
Felizmente acertei bem mais do que errei e numa escala e num tempo
impensáveis no mundo empresarial". Quem não ruborizaria ao falar de si
recorrendo a palavras como "mito" e "visionário"? Eike Batista.
Eike,
o empresário que não teve recato ao se auto-proclamar um mito, afundou.
Na última semana (dia 11), mais uma de suas empresas, a OSX (chamada por ele de Embraer dos mares), teve de recorrer à recuperação judicial na tentativa de ganhar tempo junto aos credores e conseguir uma sobrevida. A primeira a usar esse expediente foi a OGX,
em 30 de outubro ("A OGX tem no seu DNA algo especial que herdou de
mim: a vontade de encantar e surpreender", descreveu no livro). De
figura de destaque nas listas dos maiores bilionários do mundo, o dono
do Império X virou sinônimo de caloteiro e agora tem de conviver com o
peso de bilhões de reais na forma de dívida, não mais em fortuna.
Com frases e mais frases
feitas, o ex-bilionário oferece em "O X da Questão" grandes momentos de
auto-ajuda para quem sonha em se tornar empreendedor. "Uma lição que
fica para quem decide iniciar um negócio é não desistir na primeira
dificuldade", ensina.
No mesmo capítulo, o autor avança
no tema: "A única coisa certa no mundo dos negócios é que você vai
errar. Se tiver humildade para reconhecer esta verdade, terá meio
caminho andado para aprimorar suas práticas como empreendedor". A frase,
lida sob a luz do atual momento de Eike, certamente causaria irritação e
indignação nos investidores que aportaram bilhões de reais em seus
projetos. Provocaria também indignação entre os minoritários que apostaram no vendedor de sonhos e colocaram suas economias em ações que viraram pó. "Posso ser acusado de excesso de ousadia, mas nunca pensei em correr atrás do Santo Graal", garante no livro.
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Eu desejo entregar ao mercado, aos acionistas, aos colaboradores e à sociedade o que me comprometo a entregar (Eike Batista)
Outro capítulo, o "Visão 360 graus", também deve
incomodar quem comprou os sonhos de Eike, tamanha a sua incoerência. "Eu
não aspiro à perfeição. Aspiro ao êxito. Aspire ao êxito você também. Eu desejo entregar ao mercado, aos acionistas, aos colaboradores e à sociedade o que me comprometo a entregar." Ele
ficou na promessa. Demitiu boa parte de seu quadro de funcionários e
viu suas seis empresas listadas na Bolsa minguarem. "Meu negócio é
converter sonho em realidade, e talvez seja este o principal traço da
minha trajetória", explicou. Sua crença, mostram os atuais fatos, fez
água.
Para o investidor ainda em dúvida sobre as diferenças
entre Eike escritor e Eike gestor, mais um trecho: "Não se deve
subestimar a própria capacidade de cometer erros de avaliação. Alguma
dose de cautela é vital... Mas se alguém quer risco zero, o melhor é
colocar dinheiro no cofre e enterrar a chave em lugar seguro".
Entenderam, senhores investidores?
No capítulo " Cartilha da
Ética", um reforço de mensagem de confiança aos que tinham alguma dúvida
naquele momento. O dono da EBX afirmou que "há empresários que operam
100% dentro da cartilha correta. Sou um deles e faço questão de me
manter assim."
Taxativo, o autor ensina em sua autobiografia que é
preciso se cercar de informações científicas quando se está
estruturando um negócio ("Acredite na sua intuição, mas procure
confirmá-la com dados científicos ou pesquisa"). Em outro trecho, o
empresário volta ao assunto – "Por isso a pesquisa foi tão importante em
minha trajetória". A dica, no entanto, parece não ter sido útil para o
consumo interno. No caso da petroleira OGX, relatórios mostraram que as
reservas dos campos de exploração eram bem menores do que havia sido
anunciado. Faltou informação? Quem sabe.
Megalomania
No
capítulo 10, "A perfeição é uma utopia", Eike Batista volta ao tema da
megalomania – "Na medida certa, um pouco de megalomania ou ousadia é
recomendável. Nã há empreendedor bem-sucedido que não tenha provado uma
pequena dose. Quando o negócio se mostra viável, seu idealizador deixa
de ser um megalomaníaco". O leitor poderia então perguntar hoje, com os
negócios e a credibilidade de Eike mergulhados em um lamaçal: o autor da
frase acima é um megalomaníaco?
Talvez faça parte de pessoas com
o perfil de Eike a estratégia da repetição. Fala-se muitas vezes a
mesma coisa de forma convincente na intenção de que as pessoas acreditem
que aquilo é uma verdade. Um exemplo é quando o autor se descreve como
alguém com habilidade para transitar entre várias especialidades, já que
"posso lidar com ouro, prata, níquel, cobre, zinco, petróleo, energia,
enfim, posso fazer um mundo girar à minha volta..."
Hoje, ao
chegar a última página de "O X da Questão", a conclusão que o leitor tem
é de que Eike deixou de citar uma característica importante. É
apressado. Foi assim ao se lançar em várias frentes de negócios ao mesmo
tempo, ao correr para o mercado para capitalizar suas empresas quando
ainda não passavam de projetos e ao proclamar-se um empresário exitoso
muito antes de conseguir entregar o que prometeu.
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