segunda-feira, 17 de junho de 2013

O que pensa FHC
Astier Basílio
Julho de 1994, Santa Maria da Vitória, interior da Bahia. Afeito ao eleitorado urbano de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso debutava no Brasil profundo. Na ocasião, aos 63 anos, ex-Ministro da Fazenda de um plano exitoso, era postulante à presidência da República. “Senti que ia ganhar a eleição ali”, escreveu anos depois. O povo pedia que o candidato autografasse as cédulas de 1 Real e durante o comício ergueu o dinheiro. Política também é símbolo. 
Maio de 2013, bairro de Higienópolis, São Paulo. Em sua residência, o ex-presidente por dois mandatos, me recebe. Aos 82 anos, é entrevistado por um repórter que grava toda conversa em um celular. Outro símbolo. O senhor imaginou que, anos depois do processo de privatização e modernização das teles, concederia uma entrevista por um aparelho de telefone? “Não, nunca imaginei”, contou. Reconhecendo a importância do seu governo, FHC acredita que o PSDB, em sua agenda propositiva para o eleitorado brasileiro, precisa ir além. “O passado passou”, diz. 
A falha do esquecimento do gravador na Paraíba fez com que o imprevisto se transformasse em mote. Aquela foi a primeira pergunta de uma pauta que consumiu quase duas horas, nas quais Fernando Henrique Cardoso recebeu com exclusividade a reportagem do CORREIO. Conversamos sobre questões atuais como Comissão da Verdade, política compensatória de cotas, vinda dos médicos cubanos, reforma política, populismo na América Latina, legado de Hugo Chávez. Falou-se também da Primavera Árabe, das relações do Mercosul e a emergência da Aliança do Pacífico, além da atuação de China e Estados Unidos no cenário econômico mundial, bem como da sucessão presidencial.
Ao se referir à candidatura de Aécio Neves, FHC mais uma vez menciona a palavra “símbolo”. “Eu acho que a política fala por símbolos”, opina e acredita que o neto de Tancredo Neves encarna esse ideal de novidade, de linguagem contemporânea, necessários aos dias de hoje. 
Sobre participar ou não da próxima campanha presidencial, FHC declarou: “Eu vou fazer o que for demandado para eu fazer na campanha, como eu fiz com o Serra também que não demandou; Aécio demanda mais, então, eu vou atender à demanda dele”. 
Telefonia, novas tecnologias
A verdade é que, naquela ocasião, nós estávamos num aperto tremendo.  Havia muita pressão diante da incapacidade do sistema telefônico brasileiro de oferecer telefone, telefone fixo. Havia fila.  Telefone se alugava, se colocava na relação de bens. Nós sabíamos, obviamente, que estava em início a revolução do setor tecnológico, sobretudo, de acesso aos computadores, à internet, mas eu não imaginava que fosse tão rápida a evolução. Hoje, eu creio que tem, aproximadamente, mais de 200 milhões de celulares no Brasil, naquela época havia 2 (milhões). Então, você vê como também o país estava sedento de uma transformação profunda nisso aí. 
Gravações presidenciais
De fato eu, no fim do dia, gravava as minhas impressões. Não todos os dias, mas sobre quase todos os dias. Isso eu só li o que foi degravado do primeiro ano de governo, 95. Agora, que eu estou com um pouquinho mais de folga, estou lendo o começo de 96. São mais de dez mil páginas do que já foi degravado.  A minha assessora, que se chama Danielle Ardaillon, ela degravou tudo. E quanto mais eu leio, mas eu vejo que não dá para publicar tão cedo. Por que? Porque quando você fala com toda franqueza, como eu falei para mim mesmo, você mexe com muita gente. E mexe com pessoas do seu círculo, de outros círculos, e eu não acho que convenha desatar uma série de interpretações. Eu vou deixar preparado para poder no futuro ser usado.  
Médicos cubanos
No fundo é o mesmo problema que nós enfrentávamos naquela ocasião. Você tinha uma enorme camada da população não atendida. Pela inexistência de médicos, pelas dificuldades de você levar os médicos em condições precárias de trabalho. E aquele programa (PSF) foi muito importante porque ele ajudou muito na redução da mortalidade infantil. E deu acesso. Quando eu deixei o governo havia 80 milhões de pessoas atendidas pelo programa, que não parou mais, os programas continuam. Eu vejo que agora tem um debate com os médicos cubanos. É porque são cubanos, que fazem o debate. Se fossem médicos de outro país o debate seria menos caloroso. Mas eu acho que não procede. É claro que você não pode criar uma situação de competição em desfavor dos nacionais. Mas o caso não é de competição, o caso são de lugares vazios, não são ocupados.  
A medicina cubana avançou muito, justamente, nessas práticas mais simples. A medicina de alta complexidade, certamente a do Brasil é melhor, isso sem falar na dos Estados Unidos. Mas o que precisamos para a população mais carente não é de tanta complexidade. Eu não vejo porquê dessa reação tão forte. 
Revisão da ditadura
Foi um momento muito importante pra mim. A questão da tortura, não era algo abstrato, era concreto, e eu transmiti minha predisposição aos ministros militares todos logo no início do governo. Agora, eu fui paciente. Você não pode fazer estas coisas açodadamente. Meu objetivo era o de fazer uma reparação histórica. Inclusive, no discurso, assumi, em nome do estado brasileiro, a responsabilidade pelas violências praticadas. E criamos uma comissão para começarmos a fazer reparações. 
Houve um dado momento em que esta comissão começou a atuar, enfim, teve de fazer muitas reparações, e se chegou ao tema do Lamarca, que era o caso delicado para as Forças Armadas, porque o Lamarca morreu em combate, desertou. E o representante militar, do Exército, nesta comissão me procurou. Eu o conhecia. Era um general muito correto. Ele me disse: olha presidente, eu vou ter que sair da comissão. Todas as minhas opiniões não são tomadas em consideração. Eu falei: se o senhor fizer isso vai criar um embaraço político para mim. Eu respeito.  O caso do Lamarca, especialmente, eu sei a sua posição. Pedi para que   pudesse ponderar as suas razões. Eu disse que quando constitui a comissão, o resultado dela seria acatado por mim. Então, eu vou ter que acatar. Ele foi tão correto que não pediu demissão. Depois eu acho que houve um pouco relaxamento dos critérios. Deram muitas reparações talvez com um critério um pouco exagerado. Gente que não sofreu tanta coisa. Às vezes do setor privado. No Brasil sempre quem paga o ônus de tudo é o cofre, é a Viúva, não é?
Hoje nós regredimos à Velha República
Em 2006, quando publicou o livro A Arte da Política - a história que eu vivi, Fernando Henrique afirmou que era favorável a uma revisão da Lei da Anistia. Questionado sobre o assunto, o ex-presidente falou que acatava a decisão da Justiça sobre o assunto.  
“Naquela ocasião não tinha a avaliação do Supremo. Agora não tem jeito. O Supremo tomou uma decisão, está tomada. O objetivo da Comissão da Verdade é parecido com o que aconteceu na África do Sul.  E o que eles queriam lá? Era reconciliação. O objetivo na África não foi punição, foi de reconciliação. Eu acho que na medida em que a Comissão da Verdade expuser as questões e levar as pessoas a dizer: “olha, eu errei”, mesmo os que torturaram ou os que mataram estando na guerrilha, é aí que se cumpre o objetivo dela. Porque o objetivo é: não dá para repetir isso mais, chega. Não é o de punir. O Supremo deu lá a decisão dele, mas o que o Supremo não decidiu é como se reconcilia. E você não reconcilia sem o reconhecimento do erro. Eu acho que a Comissão deveria ir para esse lado”.
Cotas e racismo
Como é que você faz a compensação, como é que você não nega a discriminação que existe, portanto, você tem que dar alguma coisa em compensação, e não cria racismo. Isso é um ponto delicado. Recentemente reeditaram um livro que eu fiz chamado Pensadores que inventaram o Brasil, e eu reli algumas coisas que eu escrevi sobre Florestan (Fernandes), sobretudo, uns trabalhos sobre negros. Florestan sempre teve essa preocupação que negros, os dirigentes negros da época, também não recriassem o racismo, nem mesmo naquela coisa do Sartre, do racismo anti-racismo. Porque no Brasil o risco é você tentar aceitar como classificação a raça. Ora, a raça é um conceito antropologicamente muito complicado, pouco claro. Como é que você vai aceitar que a raça é critério de classificação? De autodefinição tudo bem.  Quando você faz uma lei como essa (edital do Minc específico para negros) você está dizendo: tem brancos e tem pretos, que são duas qualidades diferentes, e isso aqui é só pra negro, aí você está aprontando uma coisa que pode levar ao germe do racismo. Tanto faz se você disser que é só pra negro ou só pra branco.

Trânsito no Congresso
Eu fui líder do MDB, do PSDB, e era relator adjunto da Constituição. Então, isso me deu uma larga experiência em lidar com os partidos e autoridade moral também. Isso facilitava, efetivamente. Quantas vezes eu não ia ao Congresso como ministro? E você sabe que a linguagem parlamentar é agressiva. Se você não é parlamentar também se assusta; eu não me assustava, sabia como era e eu também era duro. Eu tinha muita noção de que no Brasil os políticos que não dão valor ao Congresso correm um risco grande. Porque ou eles têm força pra fechar o Congresso, e aí não são democratas, ou eles caem. O Congresso não pode ser posto como uma coisa subordinada permanentemente ao Executivo. É um jogo complicado. E se você tem noção desse jogo, tem que ao mesmo tempo exercer a liderança e respeitar. E isso é difícil. Quem tem experiência de vida no Congresso entende melhor isso.   
Consulta popular
Eu sempre tive essa preocupação. É claro que quando você está em um governo com muita popularidade. Quando você entra num governo e tem prestígio e no caso o meu tinha o Real por trás, como no caso Lula, pela questão social, você tem sempre a tentação da possibilidade de uma ação plebiscitária. Eu sou profundamente democrata. Ou seja, eu acredito que temos que fazer as instituições funcionarem. 
Democracia, plebiscito
O fascismo faz isso também. Eu não acho que a democracia direta, sob essa forma, seja a melhor maneira de governar. Faça uma pergunta se deve haver pena de morte. Vem imediatamente a resposta que sim. Não é por acaso que tem de ter filtros. O poder emana do povo, mas, em qualquer momento, o povo inflamado vai decidir? Não. Todo ditador se apoia nisso. Não todos. Mas os populistas se apoiam nisso. E é uma confusão. Democracia não é o governo da maioria. É o governo das leis. Feitas pela maioria. As leis são o limite do jogo, que é a Constituição. Senão, para quê serve a Constituição? Se consulta o povo a toda hora. E não é bem isso. Tem de se ter um pacto. Eu acho que é uma certa simplificação achar que a democracia é a consulta permanente à população. Em certas circunstâncias tem de consultar. O nosso Congresso, a Constituição, define quando se deve consultar. Quando se pode fazer plebiscito, quando não.   
Regressão política
Nós chegamos a um ponto no Brasil em que a presidência imperial dissolveu aqui o que se chamava de presidencialismo de coalizão. Hoje não há mais coalizão de nada nós voltamos à Velha República: oposição e governo. Então, nós regredimos na nossa cultura política. Isso em função do presidencialismo imperial. 
Sociedade imperial?
Em certa medida sim. É o negócio do (Raymundo) Faoro. Isso vem dos portugueses, espanhóis. Corporativista e monárquico. Isso pesou muito e pesa até hoje. Embora eu tenha tentado valorizar mais os partidos, hoje é difícil porque os partidos estão sumindo, na verdade. Só tem governo e oposição.  Acho que estamos num momento em que a cultura política está precisando de uma reformulação. (Astier Basílio)

1978
O sociólogo entra na política. Candidata-se ao Senado pela sublegenda do MDB. Fernando Henrique teve apoio de Lula. Ficou na suplência e assumiu em 1982. 
1992
Após o impeachment de Collor, Itamar Franco chama Fernando Henrique para atuar como Ministro de Relações Exteriores, que aceita o convite.
Partido há muito tempo no poder se acomoda
Defensor do parlamentarismo, ao ser perguntado se acredita neste modelo político para o Brasil, Fernando Henrique se mostrou cético. 
“A esta altura eu duvido. Eu acreditava. Eu votei. Eu era presidencialista, pois,  a opção brasileira era esta, a esquerda era presidencialista. Depois, eu pensei: quem sabe o amadurecimento da sociedade civil um desenvolvimento mais parlamentar. Eu acho difícil pelo desfazimento da estrutura político partidária, só com governo e oposição. Como é que se resolve isso? Talvez seja possível, não é fácil e não vai ser aprovado agora, mudar o sistema eleitoral para um sistema mais, digamos, distritalizado. Por que hoje o que acontece? Nós temos uma democracia de massa sem cidadãos. O deputado, o representante, ele não fala com o cidadão, ele fala com os setores intermediários que o elegem: a prefeitura, a empresa, o time de futebol, as igrejas. E lá eles funcionam por frentes parlamentares e não por partidos. E na hora do voto, eles vão buscar os votos através das organizações intermediárias e o representante não representa o cidadão, mas quem o elegeu. Eu vivi na Inglaterra. Em Cambrigde. De repente, quem batia a sua porta era o próprio candidato. Lá é um espaço menor, não dá pra fazer isso aqui. Mas se você estabelecer o distrito aqui o candidato vai saber pra quem está falando. Então, o que acontece? Tem a eleição, o parlamentar vai responder àqueles que o elegeram. E outra coisa. O povo não controla. Porque nem sabe em que votou, esquece. Não cobra do representante. Não se tem a ideia do “meu representante”. Nós temos uma democracia incompleta, na verdade. Nós temos liberdade e não é a mesma coisa que democracia”.  
Chávez ligou no golpe
Foi muito curioso. E eu vou te contar um pequeno episódio. Eu era Ministro de Relações Exteriores quando o presidente da Venezuela era Carlos Andrés Perez. Eu telefonei para ele (quando do golpe dado por Chávez, em 1992). Ele me falou: “oiga, oiga, no te preocupes”. Falou que houve uns tiros. Bom, passou um tempo, eu já como presidente, dez anos depois, me telefona, sendo golpeado, o Chávez: “Mira qué pasa acá, Fernando”. Eu falei: olha, Hugo, a posição do Brasil é invariável nós não vamos apoiar isso não. E de fato não apoiamos. Atuei para evitar a consolidação daquela situação lá. Os americanos apoiaram imediatamente. Eu falei não. Havia uma reunião, acho que na Costa Rica, uma reunião com Ministros do Exterior da região, eu falei ao Celso (Lafer): ó, levanta aí a voz. O Brasil não apóia essa derrubada. 
Legado chavista
Primeiro: o que eu acho de positivo. Chávez percebeu que havia uma situação de vazio de poder. Porque as elites venezuelanas nunca olhavam para baixo. E ele olhou. Disso daí derivou a popularidade dele. Ele veio do “llano”. Basicamente era um militar. Eu acho que a Venezuela tinha dois grandes problemas. Um ele tentou enfrentar que foi a pobreza; o outro ele não enfrentou, que foi a subordinação ao petróleo. Ele não fez. Ele olhou pro povo, mas não olhou pro país. A Venezuela está igual ao que estava antes. Sem perspectiva de futuro. Está pior. Desorganizou a produção petroleira e tudo o mais. Eu sempre dizia, mesmo quando ele estava lá, o balanço da história de Chávez vai ser até que ponto ele vai, de fato, transformar a Venezuela. Agora, por outro lado, ele foi, progressivamente, manipulando as instituições com uma ideia um pouco plebiscitária e, mesmo, fascistizando, ameaçando a imprensa. Mas era muito curioso. Ele não prendia ninguém.  Não houve perseguição no sentido de regime autoritário. Não era assim. E não é até hoje. E a oposição se deu muito mal porque em dado momento ela foi golpista. Depois foi abstencionista, se eximiu, não foi democrática também. Agora tem uma oposição democrática. O Capriles quase ganha lá. 
Alternância de poder
Eu acho muito importante que haja alternância de poder. Mesmo quando é contra a gente. Eu sou muito amigo do ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos. Fomos vizinhos lá no Chile. Sou amigo dele antes de qualquer coisa, antes dele ser presidente. Ele foi meu colega na Brown University. Depois que ele deixou o governo e eu também. E conversamos muito sobre isso. Ele queria talvez se candidatar uma outra vez. E podia. Eu lhe falei: me parece que não vale a pena. Porque está na hora de mudar. Chega um momento em que tem fadiga de material. E é bom que isso ocorra. A política é feita também de acomodações. Quando um partido está há muito tempo no poder fica acomodado. Você não muda mais nada. E é tão difícil mudar. É todo mundo ligado a não sei quê, a não sei quem, a interesses. Então, é muito importante haver a renovação. E o Chavez não teve essa visão. Como aqui também, setores do PT não têm isso. 
Terceiro mandato 
Acho isso muito negativo. E é uma herança do Chávez. E, diga-se de passagem, o Lula teve sabedoria e não caiu nessa. Porque isso é negativo pro país. A herança do Chávez é muito ambivalente, porque ele teve um papel importante na América Central e em Cuba. Ele manteve o petróleo abaixo do preço. Ele tinha uma noção de solidariedade entre os povos. Por outro lado, nunca houve alguém tão provocador na história como o Chávez. Porque o Fidel Castro nunca provocou ninguém, foi provocado. O Chávez não. E os americanos compravam petróleo sem parar. Ele provocou muito. Tudo o que ele podia fazer para provocar, ele provocou. Mesmo imaturamente. 
Contra o Imperialismo
Aí está um ponto que convém esclarecer. O imperialismo acabou. Nós vivemos a fase pós-imperialismo. E o que era o imperialismo, pelo Lênin, por exemplo? Era o controle das fontes de matéria prima e de mercados pela via militar estatal, não é isso? Invadia, prendia. Com a globalização é o oposto. São as empresas que passam a ter primazia e se inter-relacionam. Então, o espectro da guerra imperial desaparece. Chávez pode ser tão anti-imperialista porque não havia mais imperialismo. Se fosse na Guerra Fria ele não poderia, os Estados Unidos teriam de intervir, fazer o diabo. A Guerra Fria acabou e acabou com o imperialismo como tal. Não é que não exista mais dominação, há, mas de outro tipo. (Astier Basílio)
1993
Com inflação beirando os 30%, assume o Ministério da Fazenda. Implanta o Plano Real que, por meio da URV, é uma preparação para mudança da moeda.
1994
Com a consolidação do Real e a estabilização da moeda Fernando Henrique deixa o ministério e derrota Lula vencendo a eleição presidencial no primeiro turno.
Classe emergente exigirá qualidade
Fernando Henrique acredita que o Mercosul ficou incompleto. Avalia que  a instituição parou por ser apenas um acordo de livre comércio imperfeito. “Cada vez que tem reunião de presidentes e ministros da fazenda é para diminuir as transações comerciais, para se fazer exceções”
Integração latina
O Mercosul não caminhou no sentido de uma verdadeira integração. E por outro lado como o Brasil ficou muito amarrado ao Mercosul, ele não fez acordos comerciais com mais ninguém. Nós temos outro com o Egito, com Israel. E só. Nós estamos sem margem de manobra. Por outro lado, o Chavez introduziu um elemento novo na América Latina. Uma tentativa de se ter um outro modelo. Você pode acreditar ou não, mas a tentativa dele, até certo ponto, foi configurada. E este modelo arrastou muitos países. E o Brasil ficou um pouco assim na dúvida. Se ele se manifesta a favor do outro modelo ou contra. 
Aliança do Pacífico  
Estes países da Aliança do Arco do Pacífico não só estão olhando para a Ásia, que nós não estamos, eles têm uma economia muito mais liberal, mais aberta. Ou pelo menos  retoricamente mais aberta. Eu acho que o Brasil tem que olhar para essa questão com atenção para saber o que vai acontecer com o futuro, qual vai ser a nossa posição. As crises capitalistas são devastadoras, mas acabam e elas não acabam com o sistema, não vão derrubá-lo. E nós fizemos a nossa política apostando muito como se o Sul fosse sair dessa crise à frente. Não vai.
EUA e China
Os chineses estão desenvolvendo a teoria do socialismo harmonioso. A ideia de que tem de se conviver. E isso eles estão levando para o plano internacional. Ao invés de chocar, buscar áreas de convergência. Eu não acho que a China, não nas próximas décadas, tenha um projeto hegemônico em nível global. Não. Claro que um país que cresce como a China vai ter um maior peso. Mas eu não sei se eles vão ter a pretensão que os americanos, alemães e ingleses tiveram, de serem, realmente, o exemplo do mundo. Veja o Bush, no momento em que os Estados Unidos tiveram de entrar em retração e aceitar o mundo islâmico, ele fez o contrário, fez a guerra para botar a democracia lá. Eu não vejo os chineses fazendo isso.  Vejo a China muito mais concentrada nos problemas dela do que num projeto hegemônico. 
Primavera Árabe
Tem um livro, do Manuel Castells, até citei no meu último artigo no Estado de São Paulo, onde ele discute as várias experiências da Primavera Árabe, do Occupy nos Estados Unidos, desses movimentos que têm a ver com a internet, com o reforço da ideia de individualidade, e no final é uma conclusão curiosa; curiosa não, preocupante, enfim, ele diz: “até agora, esses movimentos foram capazes de em certas circunstâncias quebraram instituições, mas não criaram novas”.  Como estes movimentos não são movimentos agregadores são movimentos que não aceitam muitas lideranças, são movimentos, não são estruturas, não são instituições, então, caíram num buraco. Tem outro autor de que gosto muito que chama-se Moisés Naím, um venezuelano que mora nos Estados Unidos, ele publicou um livro agora, The End of Power - O Fim do Poder. Na verdade, é o fim do poder como era antes. Esse é mais otimista quanto ao que você tenha hoje micropoderes, um pouco como o que Focault falava, que você vai ter uma mudança institucional, e ele volta a falar em partidos. O Castells não acredita em partidos, mas em movimentos, ele acha que a realidade de hoje é de movimentos. Se você ficar só no movimento dá na Primavera Árabe. Pegue a Tunísia. A Tunísia avançou bastante, mas o Egito menos. Porque você tem um problema: não se tem como mudar, de repente, a cultura. Você tem que aceitar a diferenciação cultural. 
Valores universais
Não dá pra pensar que não existem alguns valores universais. Esse é o limite: não à tortura, igualdade com a mulher, etc. Agora, fora daí, o resto vai ser diferente. Usar o véu, qual valor que há aí? Os franceses, por causa do seu republicanismo, não permitem. Acho que isso é um exagero. Como os americanos que querem impor a democracia representativa. Também acho um exagero. Houve uma certa ilusão sobre a possibilidade de um mundo homogêneo. Até por causa da globalização. Veja por exemplo o Japão. Era segunda maior economia do mundo. A terceira hoje. Ele não deixou de ser japonês. A cultura não mudou, mentalmente.  Então, você tem que ter uma compreensão, utópica que seja, de que vamos limitar o máximo daquilo que você diz: isso é inaceitável, e vamos fazer armistícios vários sobre o que é aceitável pelo mundo afora. É o caso da cultura brasileira que sempre foi um tema para os sociólogos, e eu acho que isso tem de se valorizar porque aqui sempre houve uma certa cultura de valorização do outro. Por isso que acho que o negócio do racismo é perigoso, porque é contra a aceitação do outro. Aqui é mais fácil a aceitação sobre o outro. Aqui passam leis como casamento gay. Não tem movimento da sociedade contra. Tem gente contra. Mas você não tem, como lá na França, gente até hoje lá lutando. São mais resistentes à variabilidade. 
E os evangélicos?
De onde é que vem isso? São seitas. Facções cuja origem é anglo-saxã, que foram assimiladas e estão crescendo muito aqui. Não é católico. É mais intolerante. A própria busca da identidade racial tal como ela se desenvolveu em certos setores vem dos Estados Unidos. Tem a Fundação Ford com muitos programas por aqui. Baseados na realidade deles lá. Então, isso é um problema. Eu acho que a gente deve abrir o jogo: olha, cuidado. A mesma coisa com os protestantes. Tenham o Deus que vocês queiram, mas não me venham transformar isso aí numa forma de conduta generalizável. Porque isso não diz respeito mais à religião, diz respeito a comportamentos. 
Fundamentalismo
Se essa representatividade fosse majoritária, seria um problema, mas não é.   Ainda é muito pequena. O que não quer dizer que dar-se à luta pela democracia porque eles por instinto não são democráticos. E toca no fundamentalismo. O dilema todo é que são as religiões monoteístas. Eles só têm o Deus e aquele é o verdadeiro e o resto é falso. E eu tenho que converter você.
Religião e parlamento
Ah... aí, complica muito. É um rolo grande. Se o PT tivesse um pensamento democrático mais profundo estaria pensando nisso. Qual é o limite da democracia? Não tem que confrontar com eles – vocês preguem à vontade; aqui não, são instituições, democráticas. Se você apoia o meu governo eu não te dou a minha alma, a minha alma é democrática. Não dá para dividir entre bons e maus e somar. Isso é tomismo, não é dialética. 
PT: social democrata?
O PT quando nasceu foi como um partido libertário, muito anti-institucional. O Lula dizia que a verdadeira anistia do trabalhador era acabar com a CLT. Porque ele achava que a CLT era fascista, corporativista. Eles tinham estas atitudes. Alguns setores foram evoluindo. Marxizaram o PT.  Não de luta armada, que ele nunca foi. Enfim, uma visão mais de luta de classes. Eles não aceitavam a ‘democracia burguesa’. Pouco a pouco, o que foi predominando no PT? Foi o sindicalismo.  Houve o arrefecimento dos ardores revolucionários, a exemplo de Zé Dirceu e do Palocci. O que prevaleceu foi o sindicalismo.   O PT passou a ser um partido muito mais social-democrata sem reconhecer. Ou seja, um partido que quer fazer reformas dentro dos quadros de uma economia que é capitalista. Deixou de propor o socialismo.  Tudo bem não propor o socialismo, mas, então, que diga. Porque até hoje eles não aceitam dizer que são social-democratas. Até hoje eles não dizem que aceitam as economias de mercado. Eles continuam com uma subjetividade socialista, mas com uma praticidade que aí vale tudo.   
PSDB com outro nome
Minha proposta era que fosse democrata popular.  Fomos voto vencido, eu e o Montoro.   A social-democracia foi outra coisa. Foram os trabalhadores organizados. Os sindicatos. Eles queriam o quê? Queriam obter aquilo que a sociedade já tinha obtido. É outra questão a nossa. A classe trabalhadora como tal, como força, minguou. Então, o que é que fez? Virou um partido de assalariados. Que era o que eu pregava. Quando eles diziam: vamos fazer um partido de trabalhadores. Eu dizia não. Tem que ser mais amplo do que isso.  
Discurso do PSDB
Do que é que o Brasil precisa nesse momento? Acho que precisa de um novo aggiornamento. O que foi que o PSDB fez? O PSDB ajustou a economia brasileira à globalização. Tem nada de neoliberal. Isso é bobagem pura. Eu nem sabia o que era neoliberal naquela época. Consenso de Washington?  Eu nem entendia o que era isso.  O que o PSDB pode fazer de novo é dizer: olha aqui, minha gente, temos que dar um novo salto, porque a economia está se reestruturando de novo, com novos motores e nós estamos afastados deles. Temos uma visão estratégica, diferente da atual. E a coisa agora é em rede, não é Sul/Sul. Melhorou a quantidade, mas não melhorou a qualidade. As classes emergentes não vão querer só quantidade, vão querer qualidade. Melhor educação, melhor atendimento de saúde. Melhor tudo. E isso requer gestão. 
Me vesti de vaqueiro
Aí você vai ter que ter gente, política não se faz só com ideias, e isso tem que se encarnar em pessoas. Pessoas que são capazes de traduzir isso em coisas que a população sinta.  Porque eu acredito na candidatura do Aécio? Porque ele sozinho já simboliza isso. Ele é novo, contemporâneo, não é formal e já fala essa linguagem da atualidade. Eu acho que na política você fala também por símbolos. Política é símbolo. Outra coisa que eu fiz lá no Nordeste botei uma roupa de vaqueiro e montei a cavalo. Todo mundo gozou. Mas você tem que expressar simbolicamente. Eu acho que o problema nosso é que você tem que expressar essa contemporaneidade hoje. 
Postura incisiva
Eu vou lhe falar de uma coisa que eu não posso subscrever porque é grave. Na reunião do PSDB, o governador de Goiás chamou o Lula de canalha. Foi fortíssimo. Eu não quero que se diga isso, eu não quero que se faça isso. Mas alguma coisa tem que ser feita. Porque se não você não marca. O Lula quando quer marcar, ele marca. Por isso que ele marca o amigo e o inimigo. Não tem jeito. Você tem que definir o inimigo. 
Assumir legado
Isso mudou já. O PSDB já está assumindo. (Como será colocado para a população?) Isso não é para a população. Isso é mais uma briga entre políticos e jornalistas que ficam o tempo todo: olha não está assumindo. (Trabalho na campanha de Aécio?) Não. (Participação em horário político?). Se me chamarem, sim. (Comício?) Eu fui a comício do Serra. Mais no final. Mas acho que isso não seja o mais importante. Quem tem que ganhar a campanha não sou eu, é o candidato. O caso do Lula foi diferente porque ele estava no governo, a Dilma era desconhecida, e o Lula não tem limite para usar a máquina pública para fazer campanha, nós não fazemos isso. Eu vou fazer o que for demandado para eu fazer na campanha, como eu fiz com o Serra também que não demandou; o Aécio demanda mais, então, eu vou atender à demanda dele.  Mas sempre com um certo cuidado. A gente tem que entender qual é o momento da vida. Eu já tenho 82 anos.   
Palanques
É importante, mas não é decisivo. Se fosse decisivo Lula não seria presidente na primeira vez. Eu acho que se os candidatos conseguirem uma mensagem que caía fundo, vai ter quem os apoie. É claro que Aécio tem predisposições favoráveis porque tem Minas. Bem ou mal, nós temos 7 governos estaduais. Isso também ajuda. E você vê o fato de Eduardo (Campos), de Pernambuco, ser candidato é importante. (Ele falou pro senhor que seria candidato?) Falou. ( ) Acredito. O que ele tem a perder? Se ele quiser ser gente... Eduardo pode pensar em 14, como pode pensar em 18. O que Serra constrói em 14 não serve para nada. Quando você pensa em termos históricos, não é só a primeira eleição. Por isso que eu acho que a candidatura do Aécio é boa pro PSDB e não faria sentido o Serra agora. Porque o Serra não tem 18. O que ele construir em 14 não serve pra nada. O Aécio, ainda que perca, ele constrói para 18. Com o Eduardo é a mesma coisa. (Sob esta perspectiva, a candidatura de Eduardo Campos é factível?) Acredito sim. Não sei qual será a postura, o discurso dele.
Aécio e oposição 
A conjuntura favorece mais a uma candidatura do Aécio do que a dele. Porque ele tem Minas, é mais conhecido. E pode falar mais facilmente como oposição. (Prejudica o fato dele não ter tido uma postura mais incisiva na oposição?) Prejudicar não prejudica, mas teria ter sido positiva, mas não foi, mas prejudicar não prejudica, o povo não está nem aí, o povo vai saber da eleição, na eleição. (A economia tem peso?). Tem peso sim. Por que hoje o Eduardo se lança?  Porque ele percebe que a economia já não é igual.  O governo não é igual. A Dilma, ou melhor, o governo da Dilma, tem uma qualidade de desempenho abaixo da do governo do Lula.
Nova geração política
Tem muito prefeito novo. Veja lá o de Recife, Geraldo (Júlio, do PSB).  (O que diferencia essa geração da sua?). Essa geração vem de uma experiência que não é a nossa, que confrontou o regime autoritário. (Beneficia?). Não sei se beneficia. Tem que olhar para outros temas. E isso é mais ou menos inevitável. Chega um momento em que você tem uma substituição de gerações. Nós estamos num momento de substituição. Eu sou de outra ainda. Eu sou sobrevivente. Os meus estão lá embaixo. Ou lá em cima. Quem é que da minha geração que está ativo na política? Da minha geração? Não tem ninguém. Com 80 anos? (Sarney). É, o Sarney. Também chegou o momento dele. (Astier Basílio)
1998
Aprovação da emenda da releeição. Fernando Henrique concorre a um segundo mandato e novamente derrota o petista Lula, com vitória no primeiro turno. 
2011

Ao completar 80 anos, ex-presidente é cercado de homenagens, PSDB recupera o legado de seu governo. FHC lança o livro A Soma e o Resto, fazendo balanço da vida

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