O que pensa FHC
Astier Basílio
Julho
de 1994, Santa Maria da Vitória, interior da Bahia. Afeito ao
eleitorado urbano de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso debutava no
Brasil profundo. Na ocasião, aos 63 anos, ex-Ministro da Fazenda de um
plano exitoso, era postulante à presidência da República. “Senti que ia
ganhar a eleição ali”, escreveu anos depois. O povo pedia que o
candidato autografasse as cédulas de 1 Real e durante o comício ergueu o
dinheiro. Política também é símbolo.
Maio
de 2013, bairro de Higienópolis, São Paulo. Em sua residência, o
ex-presidente por dois mandatos, me recebe. Aos 82 anos, é entrevistado
por um repórter que grava toda conversa em um celular. Outro símbolo. O
senhor imaginou que, anos depois do processo de privatização e
modernização das teles, concederia uma entrevista por um aparelho de
telefone? “Não, nunca imaginei”, contou. Reconhecendo a importância do
seu governo, FHC acredita que o PSDB, em sua agenda propositiva para o
eleitorado brasileiro, precisa ir além. “O passado passou”, diz.
A
falha do esquecimento do gravador na Paraíba fez com que o imprevisto
se transformasse em mote. Aquela foi a primeira pergunta de uma pauta
que consumiu quase duas horas, nas quais Fernando Henrique Cardoso
recebeu com exclusividade a reportagem do CORREIO. Conversamos sobre
questões atuais como Comissão da Verdade, política compensatória de
cotas, vinda dos médicos cubanos, reforma política, populismo na América
Latina, legado de Hugo Chávez. Falou-se também da Primavera Árabe, das
relações do Mercosul e a emergência da Aliança do Pacífico, além da
atuação de China e Estados Unidos no cenário econômico mundial, bem como
da sucessão presidencial.
Ao
se referir à candidatura de Aécio Neves, FHC mais uma vez menciona a
palavra “símbolo”. “Eu acho que a política fala por símbolos”, opina e
acredita que o neto de Tancredo Neves encarna esse ideal de novidade, de
linguagem contemporânea, necessários aos dias de hoje.
Sobre
participar ou não da próxima campanha presidencial, FHC declarou: “Eu
vou fazer o que for demandado para eu fazer na campanha, como eu fiz com
o Serra também que não demandou; Aécio demanda mais, então, eu vou
atender à demanda dele”.
Telefonia, novas tecnologias
A
verdade é que, naquela ocasião, nós estávamos num aperto tremendo.
Havia muita pressão diante da incapacidade do sistema telefônico
brasileiro de oferecer telefone, telefone fixo. Havia fila. Telefone se
alugava, se colocava na relação de bens. Nós sabíamos, obviamente, que
estava em início a revolução do setor tecnológico, sobretudo, de acesso
aos computadores, à internet, mas eu não imaginava que fosse tão rápida a
evolução. Hoje, eu creio que tem, aproximadamente, mais de 200 milhões
de celulares no Brasil, naquela época havia 2 (milhões). Então, você vê
como também o país estava sedento de uma transformação profunda nisso
aí.
Gravações presidenciais
De
fato eu, no fim do dia, gravava as minhas impressões. Não todos os
dias, mas sobre quase todos os dias. Isso eu só li o que foi degravado
do primeiro ano de governo, 95. Agora, que eu estou com um pouquinho
mais de folga, estou lendo o começo de 96. São mais de dez mil páginas
do que já foi degravado. A minha assessora, que se chama Danielle
Ardaillon, ela degravou tudo. E quanto mais eu leio, mas eu vejo que não
dá para publicar tão cedo. Por que? Porque quando você fala com toda
franqueza, como eu falei para mim mesmo, você mexe com muita gente. E
mexe com pessoas do seu círculo, de outros círculos, e eu não acho que
convenha desatar uma série de interpretações. Eu vou deixar preparado
para poder no futuro ser usado.
Médicos cubanos
No
fundo é o mesmo problema que nós enfrentávamos naquela ocasião. Você
tinha uma enorme camada da população não atendida. Pela inexistência de
médicos, pelas dificuldades de você levar os médicos em condições
precárias de trabalho. E aquele programa (PSF) foi muito importante
porque ele ajudou muito na redução da mortalidade infantil. E deu
acesso. Quando eu deixei o governo havia 80 milhões de pessoas atendidas
pelo programa, que não parou mais, os programas continuam. Eu vejo que
agora tem um debate com os médicos cubanos. É porque são cubanos, que
fazem o debate. Se fossem médicos de outro país o debate seria menos
caloroso. Mas eu acho que não procede. É claro que você não pode criar
uma situação de competição em desfavor dos nacionais. Mas o caso não é
de competição, o caso são de lugares vazios, não são ocupados.
A
medicina cubana avançou muito, justamente, nessas práticas mais
simples. A medicina de alta complexidade, certamente a do Brasil é
melhor, isso sem falar na dos Estados Unidos. Mas o que precisamos para a
população mais carente não é de tanta complexidade. Eu não vejo porquê
dessa reação tão forte.
Revisão da ditadura
Foi
um momento muito importante pra mim. A questão da tortura, não era algo
abstrato, era concreto, e eu transmiti minha predisposição aos
ministros militares todos logo no início do governo. Agora, eu fui
paciente. Você não pode fazer estas coisas açodadamente. Meu objetivo
era o de fazer uma reparação histórica. Inclusive, no discurso, assumi,
em nome do estado brasileiro, a responsabilidade pelas violências
praticadas. E criamos uma comissão para começarmos a fazer reparações.
Houve
um dado momento em que esta comissão começou a atuar, enfim, teve de
fazer muitas reparações, e se chegou ao tema do Lamarca, que era o caso
delicado para as Forças Armadas, porque o Lamarca morreu em combate,
desertou. E o representante militar, do Exército, nesta comissão me
procurou. Eu o conhecia. Era um general muito correto. Ele me disse:
olha presidente, eu vou ter que sair da comissão. Todas as minhas
opiniões não são tomadas em consideração. Eu falei: se o senhor fizer
isso vai criar um embaraço político para mim. Eu respeito. O caso do
Lamarca, especialmente, eu sei a sua posição. Pedi para que pudesse
ponderar as suas razões. Eu disse que quando constitui a comissão, o
resultado dela seria acatado por mim. Então, eu vou ter que acatar. Ele
foi tão correto que não pediu demissão. Depois eu acho que houve um
pouco relaxamento dos critérios. Deram muitas reparações talvez com um
critério um pouco exagerado. Gente que não sofreu tanta coisa. Às vezes
do setor privado. No Brasil sempre quem paga o ônus de tudo é o cofre, é
a Viúva, não é?
Hoje nós regredimos à Velha República
Em
2006, quando publicou o livro A Arte da Política - a história que eu
vivi, Fernando Henrique afirmou que era favorável a uma revisão da Lei
da Anistia. Questionado sobre o assunto, o ex-presidente falou que
acatava a decisão da Justiça sobre o assunto.
“Naquela
ocasião não tinha a avaliação do Supremo. Agora não tem jeito. O
Supremo tomou uma decisão, está tomada. O objetivo da Comissão da
Verdade é parecido com o que aconteceu na África do Sul. E o que eles
queriam lá? Era reconciliação. O objetivo na África não foi punição, foi
de reconciliação. Eu acho que na medida em que a Comissão da Verdade
expuser as questões e levar as pessoas a dizer: “olha, eu errei”, mesmo
os que torturaram ou os que mataram estando na guerrilha, é aí que se
cumpre o objetivo dela. Porque o objetivo é: não dá para repetir isso
mais, chega. Não é o de punir. O Supremo deu lá a decisão dele, mas o
que o Supremo não decidiu é como se reconcilia. E você não reconcilia
sem o reconhecimento do erro. Eu acho que a Comissão deveria ir para
esse lado”.
Cotas e racismo
Como
é que você faz a compensação, como é que você não nega a discriminação
que existe, portanto, você tem que dar alguma coisa em compensação, e
não cria racismo. Isso é um ponto delicado. Recentemente reeditaram um
livro que eu fiz chamado Pensadores que inventaram o Brasil, e eu reli
algumas coisas que eu escrevi sobre Florestan (Fernandes), sobretudo,
uns trabalhos sobre negros. Florestan sempre teve essa preocupação que
negros, os dirigentes negros da época, também não recriassem o racismo,
nem mesmo naquela coisa do Sartre, do racismo anti-racismo. Porque no
Brasil o risco é você tentar aceitar como classificação a raça. Ora, a
raça é um conceito antropologicamente muito complicado, pouco claro.
Como é que você vai aceitar que a raça é critério de classificação? De
autodefinição tudo bem. Quando você faz uma lei como essa (edital do
Minc específico para negros) você está dizendo: tem brancos e tem
pretos, que são duas qualidades diferentes, e isso aqui é só pra negro,
aí você está aprontando uma coisa que pode levar ao germe do racismo.
Tanto faz se você disser que é só pra negro ou só pra branco.
Trânsito no Congresso
Eu
fui líder do MDB, do PSDB, e era relator adjunto da Constituição.
Então, isso me deu uma larga experiência em lidar com os partidos e
autoridade moral também. Isso facilitava, efetivamente. Quantas vezes eu
não ia ao Congresso como ministro? E você sabe que a linguagem
parlamentar é agressiva. Se você não é parlamentar também se assusta; eu
não me assustava, sabia como era e eu também era duro. Eu tinha muita
noção de que no Brasil os políticos que não dão valor ao Congresso
correm um risco grande. Porque ou eles têm força pra fechar o Congresso,
e aí não são democratas, ou eles caem. O Congresso não pode ser posto
como uma coisa subordinada permanentemente ao Executivo. É um jogo
complicado. E se você tem noção desse jogo, tem que ao mesmo tempo
exercer a liderança e respeitar. E isso é difícil. Quem tem experiência
de vida no Congresso entende melhor isso.
Consulta popular
Eu
sempre tive essa preocupação. É claro que quando você está em um
governo com muita popularidade. Quando você entra num governo e tem
prestígio e no caso o meu tinha o Real por trás, como no caso Lula, pela
questão social, você tem sempre a tentação da possibilidade de uma ação
plebiscitária. Eu sou profundamente democrata. Ou seja, eu acredito que
temos que fazer as instituições funcionarem.
Democracia, plebiscito
O
fascismo faz isso também. Eu não acho que a democracia direta, sob essa
forma, seja a melhor maneira de governar. Faça uma pergunta se deve
haver pena de morte. Vem imediatamente a resposta que sim. Não é por
acaso que tem de ter filtros. O poder emana do povo, mas, em qualquer
momento, o povo inflamado vai decidir? Não. Todo ditador se apoia nisso.
Não todos. Mas os populistas se apoiam nisso. E é uma confusão.
Democracia não é o governo da maioria. É o governo das leis. Feitas pela
maioria. As leis são o limite do jogo, que é a Constituição. Senão,
para quê serve a Constituição? Se consulta o povo a toda hora. E não é
bem isso. Tem de se ter um pacto. Eu acho que é uma certa simplificação
achar que a democracia é a consulta permanente à população. Em certas
circunstâncias tem de consultar. O nosso Congresso, a Constituição,
define quando se deve consultar. Quando se pode fazer plebiscito, quando
não.
Regressão política
Nós
chegamos a um ponto no Brasil em que a presidência imperial dissolveu
aqui o que se chamava de presidencialismo de coalizão. Hoje não há mais
coalizão de nada nós voltamos à Velha República: oposição e governo.
Então, nós regredimos na nossa cultura política. Isso em função do
presidencialismo imperial.
Sociedade imperial?
Em
certa medida sim. É o negócio do (Raymundo) Faoro. Isso vem dos
portugueses, espanhóis. Corporativista e monárquico. Isso pesou muito e
pesa até hoje. Embora eu tenha tentado valorizar mais os partidos, hoje é
difícil porque os partidos estão sumindo, na verdade. Só tem governo e
oposição. Acho que estamos num momento em que a cultura política está
precisando de uma reformulação. (Astier Basílio)
1978
O
sociólogo entra na política. Candidata-se ao Senado pela sublegenda do
MDB. Fernando Henrique teve apoio de Lula. Ficou na suplência e assumiu
em 1982.
1992
Após
o impeachment de Collor, Itamar Franco chama Fernando Henrique para
atuar como Ministro de Relações Exteriores, que aceita o convite.
Partido há muito tempo no poder se acomoda
Defensor
do parlamentarismo, ao ser perguntado se acredita neste modelo político
para o Brasil, Fernando Henrique se mostrou cético.
“A
esta altura eu duvido. Eu acreditava. Eu votei. Eu era
presidencialista, pois, a opção brasileira era esta, a esquerda era
presidencialista. Depois, eu pensei: quem sabe o amadurecimento da
sociedade civil um desenvolvimento mais parlamentar. Eu acho difícil
pelo desfazimento da estrutura político partidária, só com governo e
oposição. Como é que se resolve isso? Talvez seja possível, não é fácil e
não vai ser aprovado agora, mudar o sistema eleitoral para um sistema
mais, digamos, distritalizado. Por que hoje o que acontece? Nós temos
uma democracia de massa sem cidadãos. O deputado, o representante, ele
não fala com o cidadão, ele fala com os setores intermediários que o
elegem: a prefeitura, a empresa, o time de futebol, as igrejas. E lá
eles funcionam por frentes parlamentares e não por partidos. E na hora
do voto, eles vão buscar os votos através das organizações
intermediárias e o representante não representa o cidadão, mas quem o
elegeu. Eu vivi na Inglaterra. Em Cambrigde. De repente, quem batia a
sua porta era o próprio candidato. Lá é um espaço menor, não dá pra
fazer isso aqui. Mas se você estabelecer o distrito aqui o candidato vai
saber pra quem está falando. Então, o que acontece? Tem a eleição, o
parlamentar vai responder àqueles que o elegeram. E outra coisa. O povo
não controla. Porque nem sabe em que votou, esquece. Não cobra do
representante. Não se tem a ideia do “meu representante”. Nós temos uma
democracia incompleta, na verdade. Nós temos liberdade e não é a mesma
coisa que democracia”.
Chávez ligou no golpe
Foi
muito curioso. E eu vou te contar um pequeno episódio. Eu era Ministro
de Relações Exteriores quando o presidente da Venezuela era Carlos
Andrés Perez. Eu telefonei para ele (quando do golpe dado por Chávez, em
1992). Ele me falou: “oiga, oiga, no te preocupes”. Falou que houve uns
tiros. Bom, passou um tempo, eu já como presidente, dez anos depois, me
telefona, sendo golpeado, o Chávez: “Mira qué pasa acá, Fernando”. Eu
falei: olha, Hugo, a posição do Brasil é invariável nós não vamos apoiar
isso não. E de fato não apoiamos. Atuei para evitar a consolidação
daquela situação lá. Os americanos apoiaram imediatamente. Eu falei não.
Havia uma reunião, acho que na Costa Rica, uma reunião com Ministros do
Exterior da região, eu falei ao Celso (Lafer): ó, levanta aí a voz. O
Brasil não apóia essa derrubada.
Legado chavista
Primeiro:
o que eu acho de positivo. Chávez percebeu que havia uma situação de
vazio de poder. Porque as elites venezuelanas nunca olhavam para baixo. E
ele olhou. Disso daí derivou a popularidade dele. Ele veio do “llano”.
Basicamente era um militar. Eu acho que a Venezuela tinha dois grandes
problemas. Um ele tentou enfrentar que foi a pobreza; o outro ele não
enfrentou, que foi a subordinação ao petróleo. Ele não fez. Ele olhou
pro povo, mas não olhou pro país. A Venezuela está igual ao que estava
antes. Sem perspectiva de futuro. Está pior. Desorganizou a produção
petroleira e tudo o mais. Eu sempre dizia, mesmo quando ele estava lá, o
balanço da história de Chávez vai ser até que ponto ele vai, de fato,
transformar a Venezuela. Agora, por outro lado, ele foi,
progressivamente, manipulando as instituições com uma ideia um pouco
plebiscitária e, mesmo, fascistizando, ameaçando a imprensa. Mas era
muito curioso. Ele não prendia ninguém. Não houve perseguição no
sentido de regime autoritário. Não era assim. E não é até hoje. E a
oposição se deu muito mal porque em dado momento ela foi golpista.
Depois foi abstencionista, se eximiu, não foi democrática também. Agora
tem uma oposição democrática. O Capriles quase ganha lá.
Alternância de poder
Eu
acho muito importante que haja alternância de poder. Mesmo quando é
contra a gente. Eu sou muito amigo do ex-presidente do Chile, Ricardo
Lagos. Fomos vizinhos lá no Chile. Sou amigo dele antes de qualquer
coisa, antes dele ser presidente. Ele foi meu colega na Brown
University. Depois que ele deixou o governo e eu também. E conversamos
muito sobre isso. Ele queria talvez se candidatar uma outra vez. E
podia. Eu lhe falei: me parece que não vale a pena. Porque está na hora
de mudar. Chega um momento em que tem fadiga de material. E é bom que
isso ocorra. A política é feita também de acomodações. Quando um partido
está há muito tempo no poder fica acomodado. Você não muda mais nada. E
é tão difícil mudar. É todo mundo ligado a não sei quê, a não sei quem,
a interesses. Então, é muito importante haver a renovação. E o Chavez
não teve essa visão. Como aqui também, setores do PT não têm isso.
Terceiro mandato
Acho
isso muito negativo. E é uma herança do Chávez. E, diga-se de passagem,
o Lula teve sabedoria e não caiu nessa. Porque isso é negativo pro
país. A herança do Chávez é muito ambivalente, porque ele teve um papel
importante na América Central e em Cuba. Ele manteve o petróleo abaixo
do preço. Ele tinha uma noção de solidariedade entre os povos. Por outro
lado, nunca houve alguém tão provocador na história como o Chávez.
Porque o Fidel Castro nunca provocou ninguém, foi provocado. O Chávez
não. E os americanos compravam petróleo sem parar. Ele provocou muito.
Tudo o que ele podia fazer para provocar, ele provocou. Mesmo
imaturamente.
Contra o Imperialismo
Aí
está um ponto que convém esclarecer. O imperialismo acabou. Nós vivemos
a fase pós-imperialismo. E o que era o imperialismo, pelo Lênin, por
exemplo? Era o controle das fontes de matéria prima e de mercados pela
via militar estatal, não é isso? Invadia, prendia. Com a globalização é o
oposto. São as empresas que passam a ter primazia e se
inter-relacionam. Então, o espectro da guerra imperial desaparece.
Chávez pode ser tão anti-imperialista porque não havia mais
imperialismo. Se fosse na Guerra Fria ele não poderia, os Estados Unidos
teriam de intervir, fazer o diabo. A Guerra Fria acabou e acabou com o
imperialismo como tal. Não é que não exista mais dominação, há, mas de
outro tipo. (Astier Basílio)
1993
Com
inflação beirando os 30%, assume o Ministério da Fazenda. Implanta o
Plano Real que, por meio da URV, é uma preparação para mudança da moeda.
1994
Com
a consolidação do Real e a estabilização da moeda Fernando Henrique
deixa o ministério e derrota Lula vencendo a eleição presidencial no
primeiro turno.
Classe emergente exigirá qualidade
Fernando
Henrique acredita que o Mercosul ficou incompleto. Avalia que a
instituição parou por ser apenas um acordo de livre comércio imperfeito.
“Cada vez que tem reunião de presidentes e ministros da fazenda é para
diminuir as transações comerciais, para se fazer exceções”
Integração latina
O
Mercosul não caminhou no sentido de uma verdadeira integração. E por
outro lado como o Brasil ficou muito amarrado ao Mercosul, ele não fez
acordos comerciais com mais ninguém. Nós temos outro com o Egito, com
Israel. E só. Nós estamos sem margem de manobra. Por outro lado, o
Chavez introduziu um elemento novo na América Latina. Uma tentativa de
se ter um outro modelo. Você pode acreditar ou não, mas a tentativa
dele, até certo ponto, foi configurada. E este modelo arrastou muitos
países. E o Brasil ficou um pouco assim na dúvida. Se ele se manifesta a
favor do outro modelo ou contra.
Aliança do Pacífico
Estes
países da Aliança do Arco do Pacífico não só estão olhando para a Ásia,
que nós não estamos, eles têm uma economia muito mais liberal, mais
aberta. Ou pelo menos retoricamente mais aberta. Eu acho que o Brasil
tem que olhar para essa questão com atenção para saber o que vai
acontecer com o futuro, qual vai ser a nossa posição. As crises
capitalistas são devastadoras, mas acabam e elas não acabam com o
sistema, não vão derrubá-lo. E nós fizemos a nossa política apostando
muito como se o Sul fosse sair dessa crise à frente. Não vai.
EUA e China
Os
chineses estão desenvolvendo a teoria do socialismo harmonioso. A ideia
de que tem de se conviver. E isso eles estão levando para o plano
internacional. Ao invés de chocar, buscar áreas de convergência. Eu não
acho que a China, não nas próximas décadas, tenha um projeto hegemônico
em nível global. Não. Claro que um país que cresce como a China vai ter
um maior peso. Mas eu não sei se eles vão ter a pretensão que os
americanos, alemães e ingleses tiveram, de serem, realmente, o exemplo
do mundo. Veja o Bush, no momento em que os Estados Unidos tiveram de
entrar em retração e aceitar o mundo islâmico, ele fez o contrário, fez a
guerra para botar a democracia lá. Eu não vejo os chineses fazendo
isso. Vejo a China muito mais concentrada nos problemas dela do que num
projeto hegemônico.
Primavera Árabe
Tem
um livro, do Manuel Castells, até citei no meu último artigo no Estado
de São Paulo, onde ele discute as várias experiências da Primavera
Árabe, do Occupy nos Estados Unidos, desses movimentos que têm a ver com
a internet, com o reforço da ideia de individualidade, e no final é uma
conclusão curiosa; curiosa não, preocupante, enfim, ele diz: “até
agora, esses movimentos foram capazes de em certas circunstâncias
quebraram instituições, mas não criaram novas”. Como estes movimentos
não são movimentos agregadores são movimentos que não aceitam muitas
lideranças, são movimentos, não são estruturas, não são instituições,
então, caíram num buraco. Tem outro autor de que gosto muito que
chama-se Moisés Naím, um venezuelano que mora nos Estados Unidos, ele
publicou um livro agora, The End of Power - O Fim do Poder. Na verdade, é
o fim do poder como era antes. Esse é mais otimista quanto ao que você
tenha hoje micropoderes, um pouco como o que Focault falava, que você
vai ter uma mudança institucional, e ele volta a falar em partidos. O
Castells não acredita em partidos, mas em movimentos, ele acha que a
realidade de hoje é de movimentos. Se você ficar só no movimento dá na
Primavera Árabe. Pegue a Tunísia. A Tunísia avançou bastante, mas o
Egito menos. Porque você tem um problema: não se tem como mudar, de
repente, a cultura. Você tem que aceitar a diferenciação cultural.
Valores universais
Não
dá pra pensar que não existem alguns valores universais. Esse é o
limite: não à tortura, igualdade com a mulher, etc. Agora, fora daí, o
resto vai ser diferente. Usar o véu, qual valor que há aí? Os franceses,
por causa do seu republicanismo, não permitem. Acho que isso é um
exagero. Como os americanos que querem impor a democracia
representativa. Também acho um exagero. Houve uma certa ilusão sobre a
possibilidade de um mundo homogêneo. Até por causa da globalização. Veja
por exemplo o Japão. Era segunda maior economia do mundo. A terceira
hoje. Ele não deixou de ser japonês. A cultura não mudou, mentalmente.
Então, você tem que ter uma compreensão, utópica que seja, de que vamos
limitar o máximo daquilo que você diz: isso é inaceitável, e vamos
fazer armistícios vários sobre o que é aceitável pelo mundo afora. É o
caso da cultura brasileira que sempre foi um tema para os sociólogos, e
eu acho que isso tem de se valorizar porque aqui sempre houve uma certa
cultura de valorização do outro. Por isso que acho que o negócio do
racismo é perigoso, porque é contra a aceitação do outro. Aqui é mais
fácil a aceitação sobre o outro. Aqui passam leis como casamento gay.
Não tem movimento da sociedade contra. Tem gente contra. Mas você não
tem, como lá na França, gente até hoje lá lutando. São mais resistentes à
variabilidade.
E os evangélicos?
De
onde é que vem isso? São seitas. Facções cuja origem é anglo-saxã, que
foram assimiladas e estão crescendo muito aqui. Não é católico. É mais
intolerante. A própria busca da identidade racial tal como ela se
desenvolveu em certos setores vem dos Estados Unidos. Tem a Fundação
Ford com muitos programas por aqui. Baseados na realidade deles lá.
Então, isso é um problema. Eu acho que a gente deve abrir o jogo: olha,
cuidado. A mesma coisa com os protestantes. Tenham o Deus que vocês
queiram, mas não me venham transformar isso aí numa forma de conduta
generalizável. Porque isso não diz respeito mais à religião, diz
respeito a comportamentos.
Fundamentalismo
Se
essa representatividade fosse majoritária, seria um problema, mas não
é. Ainda é muito pequena. O que não quer dizer que dar-se à luta pela
democracia porque eles por instinto não são democráticos. E toca no
fundamentalismo. O dilema todo é que são as religiões monoteístas. Eles
só têm o Deus e aquele é o verdadeiro e o resto é falso. E eu tenho que
converter você.
Religião e parlamento
Ah...
aí, complica muito. É um rolo grande. Se o PT tivesse um pensamento
democrático mais profundo estaria pensando nisso. Qual é o limite da
democracia? Não tem que confrontar com eles – vocês preguem à vontade;
aqui não, são instituições, democráticas. Se você apoia o meu governo eu
não te dou a minha alma, a minha alma é democrática. Não dá para
dividir entre bons e maus e somar. Isso é tomismo, não é dialética.
PT: social democrata?
O
PT quando nasceu foi como um partido libertário, muito
anti-institucional. O Lula dizia que a verdadeira anistia do trabalhador
era acabar com a CLT. Porque ele achava que a CLT era fascista,
corporativista. Eles tinham estas atitudes. Alguns setores foram
evoluindo. Marxizaram o PT. Não de luta armada, que ele nunca foi.
Enfim, uma visão mais de luta de classes. Eles não aceitavam a
‘democracia burguesa’. Pouco a pouco, o que foi predominando no PT? Foi o
sindicalismo. Houve o arrefecimento dos ardores revolucionários, a
exemplo de Zé Dirceu e do Palocci. O que prevaleceu foi o sindicalismo.
O PT passou a ser um partido muito mais social-democrata sem
reconhecer. Ou seja, um partido que quer fazer reformas dentro dos
quadros de uma economia que é capitalista. Deixou de propor o
socialismo. Tudo bem não propor o socialismo, mas, então, que diga.
Porque até hoje eles não aceitam dizer que são social-democratas. Até
hoje eles não dizem que aceitam as economias de mercado. Eles continuam
com uma subjetividade socialista, mas com uma praticidade que aí vale
tudo.
PSDB com outro nome
Minha
proposta era que fosse democrata popular. Fomos voto vencido, eu e o
Montoro. A social-democracia foi outra coisa. Foram os trabalhadores
organizados. Os sindicatos. Eles queriam o quê? Queriam obter aquilo que
a sociedade já tinha obtido. É outra questão a nossa. A classe
trabalhadora como tal, como força, minguou. Então, o que é que fez?
Virou um partido de assalariados. Que era o que eu pregava. Quando eles
diziam: vamos fazer um partido de trabalhadores. Eu dizia não. Tem que
ser mais amplo do que isso.
Discurso do PSDB
Do
que é que o Brasil precisa nesse momento? Acho que precisa de um novo
aggiornamento. O que foi que o PSDB fez? O PSDB ajustou a economia
brasileira à globalização. Tem nada de neoliberal. Isso é bobagem pura.
Eu nem sabia o que era neoliberal naquela época. Consenso de Washington?
Eu nem entendia o que era isso. O que o PSDB pode fazer de novo é
dizer: olha aqui, minha gente, temos que dar um novo salto, porque a
economia está se reestruturando de novo, com novos motores e nós estamos
afastados deles. Temos uma visão estratégica, diferente da atual. E a
coisa agora é em rede, não é Sul/Sul. Melhorou a quantidade, mas não
melhorou a qualidade. As classes emergentes não vão querer só
quantidade, vão querer qualidade. Melhor educação, melhor atendimento de
saúde. Melhor tudo. E isso requer gestão.
Me vesti de vaqueiro
Aí
você vai ter que ter gente, política não se faz só com ideias, e isso
tem que se encarnar em pessoas. Pessoas que são capazes de traduzir isso
em coisas que a população sinta. Porque eu acredito na candidatura do
Aécio? Porque ele sozinho já simboliza isso. Ele é novo, contemporâneo,
não é formal e já fala essa linguagem da atualidade. Eu acho que na
política você fala também por símbolos. Política é símbolo. Outra coisa
que eu fiz lá no Nordeste botei uma roupa de vaqueiro e montei a cavalo.
Todo mundo gozou. Mas você tem que expressar simbolicamente. Eu acho
que o problema nosso é que você tem que expressar essa contemporaneidade
hoje.
Postura incisiva
Eu
vou lhe falar de uma coisa que eu não posso subscrever porque é grave.
Na reunião do PSDB, o governador de Goiás chamou o Lula de canalha. Foi
fortíssimo. Eu não quero que se diga isso, eu não quero que se faça
isso. Mas alguma coisa tem que ser feita. Porque se não você não marca. O
Lula quando quer marcar, ele marca. Por isso que ele marca o amigo e o
inimigo. Não tem jeito. Você tem que definir o inimigo.
Assumir legado
Isso
mudou já. O PSDB já está assumindo. (Como será colocado para a
população?) Isso não é para a população. Isso é mais uma briga entre
políticos e jornalistas que ficam o tempo todo: olha não está assumindo.
(Trabalho na campanha de Aécio?) Não. (Participação em horário
político?). Se me chamarem, sim. (Comício?) Eu fui a comício do Serra.
Mais no final. Mas acho que isso não seja o mais importante. Quem tem
que ganhar a campanha não sou eu, é o candidato. O caso do Lula foi
diferente porque ele estava no governo, a Dilma era desconhecida, e o
Lula não tem limite para usar a máquina pública para fazer campanha, nós
não fazemos isso. Eu vou fazer o que for demandado para eu fazer na
campanha, como eu fiz com o Serra também que não demandou; o Aécio
demanda mais, então, eu vou atender à demanda dele. Mas sempre com um
certo cuidado. A gente tem que entender qual é o momento da vida. Eu já
tenho 82 anos.
Palanques
É
importante, mas não é decisivo. Se fosse decisivo Lula não seria
presidente na primeira vez. Eu acho que se os candidatos conseguirem uma
mensagem que caía fundo, vai ter quem os apoie. É claro que Aécio tem
predisposições favoráveis porque tem Minas. Bem ou mal, nós temos 7
governos estaduais. Isso também ajuda. E você vê o fato de Eduardo
(Campos), de Pernambuco, ser candidato é importante. (Ele falou pro
senhor que seria candidato?) Falou. ( ) Acredito. O que ele tem a
perder? Se ele quiser ser gente... Eduardo pode pensar em 14, como pode
pensar em 18. O que Serra constrói em 14 não serve para nada. Quando
você pensa em termos históricos, não é só a primeira eleição. Por isso
que eu acho que a candidatura do Aécio é boa pro PSDB e não faria
sentido o Serra agora. Porque o Serra não tem 18. O que ele construir em
14 não serve pra nada. O Aécio, ainda que perca, ele constrói para 18.
Com o Eduardo é a mesma coisa. (Sob esta perspectiva, a candidatura de
Eduardo Campos é factível?) Acredito sim. Não sei qual será a postura, o
discurso dele.
Aécio e oposição
A
conjuntura favorece mais a uma candidatura do Aécio do que a dele.
Porque ele tem Minas, é mais conhecido. E pode falar mais facilmente
como oposição. (Prejudica o fato dele não ter tido uma postura mais
incisiva na oposição?) Prejudicar não prejudica, mas teria ter sido
positiva, mas não foi, mas prejudicar não prejudica, o povo não está nem
aí, o povo vai saber da eleição, na eleição. (A economia tem peso?).
Tem peso sim. Por que hoje o Eduardo se lança? Porque ele percebe que a
economia já não é igual. O governo não é igual. A Dilma, ou melhor, o
governo da Dilma, tem uma qualidade de desempenho abaixo da do governo
do Lula.
Nova geração política
Tem
muito prefeito novo. Veja lá o de Recife, Geraldo (Júlio, do PSB). (O
que diferencia essa geração da sua?). Essa geração vem de uma
experiência que não é a nossa, que confrontou o regime autoritário.
(Beneficia?). Não sei se beneficia. Tem que olhar para outros temas. E
isso é mais ou menos inevitável. Chega um momento em que você tem uma
substituição de gerações. Nós estamos num momento de substituição. Eu
sou de outra ainda. Eu sou sobrevivente. Os meus estão lá embaixo. Ou lá
em cima. Quem é que da minha geração que está ativo na política? Da
minha geração? Não tem ninguém. Com 80 anos? (Sarney). É, o Sarney.
Também chegou o momento dele. (Astier Basílio)
1998
Aprovação
da emenda da releeição. Fernando Henrique concorre a um segundo mandato
e novamente derrota o petista Lula, com vitória no primeiro turno.
2011
Ao
completar 80 anos, ex-presidente é cercado de homenagens, PSDB recupera
o legado de seu governo. FHC lança o livro A Soma e o Resto, fazendo
balanço da vida
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