Especialista alerta que invejoso pode sofrer delírios de crise de identidade
Marcelo Rodrigo
A
partir de quando uma admiração pode se tornar inveja? O desejo por ter o
que outra pessoa tem ou ser como ela é pode se tornar uma paranoia sem
controle, transformando o desejo em uma obsessão compulsiva e delírios.
Em casos extremos podem ser desenvolvidos transtornos e crises de
personalidade até transtornos psicóticos. Para o pastor da Igreja
Metodista, Cícero Freitas, a inveja é um desvio de conduta que pode
levar até à morte quando o agente motivador se torna objeto de cobiça
desenfreada.
O
advogado Renato Ítalo sentiu na pele o que a inveja é capaz de fazer.
Quando ainda era aluno do curso de Direito perdeu duas oportunidades de
estágio e ainda um livro da faculdade por causa do outro estagiário do
escritório. Ele contou que foi trabalhar no escritório a convite de um
dos sócios. “As poucos os outros advogados associados começaram a pedir
minha ajuda também e foi então que o outro estagiário, que era filho
adotivo do sócio majoritário, começou a implicar comigo e se incomodar
com os trabalhos que eu fazia também para os outros sócios do
escritório”, contou.
Segundo
Renato, houve um dia em que ele precisou pegar um Vade Mecum emprestado
na biblioteca da faculdade para auxiliar em um processo e o levou para o
escritório, mas não encontrou mais o livro para devolver. “Uma moça que
trabalhava lá disse que viu quando ele pegou o livro, então fui lá
perguntar se tinha sido ele mesmo que pegou e se ele ainda estava usando
porque eu estava precisando”, lembrou.
Renato
contou que isso suficiente para que no dia seguinte o sócio majoritário
convocasse uma reunião para me dizer que eu tinha acusado o filho dele
de furto. “Eu ainda conversei com o advogado que tinha me convidado para
o estágio e ele ainda conseguiu me segurar no trabalho por algum tempo,
mas a implicância do outro estagiário foi maior e as picuinhas só foram
aumentando até que eu tive que sair”, comentou.
Dois
anos depois, surgiu uma nova oportunidade de estagiar no mesmo
escritório. “Voltei a estagiar lá, mas dessa vez a pedido de outro
advogado, mas aquele estagiário ainda estava lá. Tudo estava indo bem
até que em uma festa de confraternização do escritório ele e o pai foram
conversar com o advogado e disseram que eu tinha feito acusações de
furto por causa de um livro. Daí deixei o estágio mais uma vez. O pior
de tudo é que fiquei sem o estágio e sem o Vade Mecum”, lamentou.
Pecado patológico
O
psicólogo clínico Sócrates Ferreira explicou que a inveja se torna
prejudicial quando o desejo de uma pessoa passa a ser aniquilar o outro
ou o que é dele. “Muitos convivem com essa inveja patológica no seu
dia-dia e não se dão conta”, disse. Segundo ele, o sentimento de inveja
extremo e destrutivo pode ser reflexo da infância.
“Segundo
Melanie Klein, sobrevivemos a uma inveja primária, a qual vivenciamos
primeiramente na nossa tenra infância. Uma pessoa que se incomoda e
sente-se agredida por invejar algo de alguém, seja um bem material, seja
uma qualidade, enfim, pode estar alimentando um sentimento de inveja
extremo, um sentimento inclusive destrutivo a si mesmo e ao outro, de
modo que chega a ameaçar sua convivência”, explicou Sócrates.
O
psicólogo, que também é professor do curso de Psicologia da Faculdade
Maurício de Nassau de João Pessoa, esclareceu que o que alimenta o
indivíduo é sempre desejar o desejo do Outro, desde que esse outro
também exista e de que também haja o reconhecimento dele. “Quando
invejamos (negativamente falando), queremos aniquilar algo de alguém.
Contudo, por outro lado, o que o outro pode ter ou ser que nos faz
tentar ser algo parecido, ou seja, nos constituir de forma semelhante, é
salutar quando reconhecemos no outro algo que gostaríamos de ter ou
ser, porém de forma positiva. Isso nos inspirará, nos alimentará, como
uma referência”, ponderou.
Seguindo
a teoria Kleiniana, conforme prosseguiu o professor e psicólogo
clínico, quando uma pessoa se dá conta de que o objeto de desejo faz
parte dela também, pode lidar melhor com ter ou ser esse “objeto”, mesmo
que fantasiosamente, porque assim encontraria um espaço para lidar
melhor e, quem sabe, “invejar melhor”. “É bem verdade que nunca queremos
ver em nós coisas que “só” vemos nos outros e que não aceitamos nos
outros, não é mesmo? Assim podemos, inclusive, pensar sobre um espectro
muito mais amplo, como os preconceitos existentes nos mais diversos
campos: idade, sexo, raça, etc.”, acrescentou.
Quando
uma pessoa percebe que está sentindo inveja de outra de forma
descontrolada, o ideal é que procure a ajuda de um psicoterapeuta,
psicanalista e em alguns casos até um psiquiatria, nos casos em que for
necessário uma intervenção breve medicamentosa. “É sempre muito
prejudicial quando estamos “invejando negativamente” demais, por que uma
hora essa inveja toma conta da vida do sujeito e certamente precisará
de alguém para auxiliar nesse entendimento. O exercício do auto
conhecimento é algo muito valioso e muito necessário, porém pouco
valorizado nesse nosso mundo atual, principalmente quando está em
questão o mundo tão virtual”, afirmou.
Sentimento levou Caim a matar Abel
A
inveja pode aparecer de maneira escancarada, clara e definida, mas pode
estar mascarada através de elogios a um ou a outro e estar embutida,
conforme alertou o pastor da Igreja Metodista de João Pessoa, Cícero
Freitas. “Não existe pecadão e pecadinho, existem consequências do
pecado. E ninguém está imune a esta situação”, disse.
“A
inveja dá abertura a vários outros pecados como a ira, por exemplo,
porque a pessoa passa a querer aquilo que é do outro. Para obter aquilo
que o outro tem, o invejoso não mede esforços, o caráter desaparece. A
pessoa passa a querer a mesma coisa que o outro. A inveja acaba levando a
crimes como o de morte e o pecado do adultério. A inveja da mulher que o
outro tem e que gostaria que fosse a mulher dele.O sujeito acaba
pensando que vai até matar para ter aquilo deseja. Pode ser também a
inveja do posto que o outro tem no trabalho. A pessoa pode querer
levantar um falso testemunho contra o outro para vê-lo cair e assuma
aquele lugar”, comentou.
Na
opinião do pastor Cícero Freitas, o problema do pecado da inveja não
está só nele em si, porque o sujeito vai desenvolver outros tipos de
sentimentos que vão desembocar em outros pecados que, por sua vez,
também podem se tornar pecados capitais. “O pastor ou qualquer outro
líder deve estar atento a todas ministrações, deve estar alertando para
que tomemos cuidado”, enfatizou.
A
princípio, uma admiração intensa parece ser coisa boa. “O próprio
invejoso pensa até que está elogiando, mas no fundo não está. Esse
sentimento mata internamente a pessoa. Vai corroendo internamente. Desde
a criação, no livro de Gênesis, a história de Caim e Abel já traz a
questão da inveja. A inveja já estava presente no princípio de tudo. E
em várias outras situações a palavra de Deus relata história de pessoas
que praticam atos por causa da inveja”, lembrou.
Por
causa disso, o pastor enfatizou que é preciso atenção redobrada dos
líderes religiosos para saber identificar a presença desse sentimento e
saber conduzir as pessoas para se livrarem desse problema. “Líderes
evangélicos e não evangélicos, não importa o credo. Precisamos estar
atentos para evitar que isso gere um problema. Existem pessoas,
inclusive, cuja inveja chega a tal ponto que precisa ter acompanhamento
de perto. Eu mesmo já tive que acompanhar de perto um membro da igreja
que achava que aquele sentimento estava correto, porque ele achava que o
que ele queria deveria mesmo ser dele, mas na verdade não deveria”,
afirmou Cícero Freitas.
Na
opinião do pastor, um dos principais fatores que favorecem o surgimento
do sentimento de inveja é a sociedade consumista. “É uma sociedade
consumista e desigual. O grande dilema da desigualdade gera isso: querer
aquilo que é do outro. Isso é inveja”, definiu.
De
acordo com o pastor, cada pessoa sabe quando está cultivando sentimento
de inveja. “A própria pessoa sabe. Todos nós sabemos dos nossos atos.
Temos consciência. A pessoa gostaria de ter uma coisa, ter outra, depois
vai percebendo que o sentimento vai evoluindo e passa de um simples
querer, para uma cobiça de querer chegar lá. A questão da inveja é
complexa e é desencadeada de forma diferente para cada pessoa, mas o
final é igual para todos. No final fica visível porque todas as pessoas
conseguem perceber. Não é nem questão de ambição, nem questão de
motivação para se ter algo, mas uma questão mesmo da inveja de ter o que
o outro tem”, enfatizou Cícero Freitas.
Como
cristão entendemos a questão da inveja como pecado. A palavra de Deus
nos convida a confessar nossos pecados a Deus, que é fiel e justa para
nos perdoar. Quando uma pessoa percebe que está cultivando um sentimento
de cobiça do que não é seu, deve buscar ao senhor e para pedir
sabedoria e discernimento. A eliminação da inveja exige uma mudança de
caráter e sentimento. As pessoas devem chorar com os que choram e se
alegrar com os que se alegram. Eu tenho que me alegrar porque meu irmão
pode ter uma conquista e não inveja por ele ter alcançado uma superação.
Por outro lado, se eu detectar que um irmão está com inveja de mim,
peço a Deus que mude o comportamento dele para que ele veja com outros
olhos e entenda como consegui aquele objetivo, seja lá o que for, se for
um carro zero quilômetro, o aumento na poupança, para também se motivar
a fazer sua poupança.
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