Bicho é usado para curar gente
Amanda Carvalho
Os
riscos de doenças cardíacas diminuem, o sistema imunológico é
fortalecido e a expectativa de vida aumenta. Estes são alguns benefícios
– comprovados cientificamente – da interação do homem com animais. As
terapias assistidas por animais estão ganhando espaço no País e,
recentemente, o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, liberou a visita
de bichos a pacientes. Em João Pessoa, a cinoterapia e a equoterapia
são usadas em pacientes com atraso neuropsicomotor, paralisias,
hiperatividade, timidez, stress... Os benefícios são tratados em vários
trabalhos acadêmicos no mundo, mas as terapias ainda são pouco
exploradas. Um detalhe importante: embora o cão seja o mais usado,
qualquer animal – do escargot ao golfinho – pode ser um terapeuta.
Afago libera hormônios do bem
Pesquisas ainda são recentes, mas USP já tem disciplina de zooterapia em cursos de gradução e pós
Amanda Carvalho
A
Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (USP)
foi a primeira do Brasil a oferecer na sua grade curricular da graduação
e da pós-graduação a disciplina zooterapia. A idealizadora da cadeira, a
professora Maria de Fátima Martins, explicou que as pesquisas sobre os
benefícios da interação com os animais, no Brasil, ainda estão muito no
começo, mas que os projetos estão ganhando espaço na academia.
As
pesquisas comprovaram que, quando uma pessoa afaga um animal, libera os
chamados hormônios do bem, neurotransmissores que deixam as pessoas
mais felizes. “Nós somos um conjunto de hormônios. O cortisol, por
exemplo, é um que deixa as pessoas depressivas, tristes. Quando
interagimos com os animais, liberamos a serotonina, que é antagonista do
cortisol. Porém, isso acontece quando a pessoa tem um histórico de
empatia com os animais. Se ela não gosta, tem medo ou fobia, o efeito
pode até ser o contrário”, explicou.
Na prática, os resultados dos estudos mostram que essa interação traz melhorias na saúde – física e mental – das pessoas.
Um
dos projetos da disciplina, coordenado pela professora Maria de Fátima
Martins, é o “Desenvolvendo a afetividade de idosos institucionalizados,
através dos animais”. Desde 2006, quando foi implantado, vem
repercutindo na saúde dos idosos de forma positiva, proporcionando um
aumento da afetividade, do ânimo e da socialização dos idosos. Para o
projeto são usados cães de várias raças e pássaros.
A
disciplina atua em duas linhas, terapêutica e educacional. Nas duas, os
alunos podem pôr em prática a teoria em projetos executados pela
professora. Num deles, ela leva o seu gato para um abrigo de idosos. “É
um gato terapeuta que eu mesma treinei. Ele é ótimo com os idosos”,
comentou.
Prática socializa e reduz estresse
“Uma
pesquisa feita há 13 anos, na África do Sul, demonstrou que com 15 a 20
minutos de interação com cães as pessoas liberaram uma série de
neurotransmissores e hormônios que ajudam na socialização e redução do
estresse”. É assim que o fisioterapeuta e diretor da associação Terapias
Assistidas por Cães (TAC), Vinicius Fava Ribeiro, começou a explicar os
benefícios das terapias com animais. Ele continuou dizendo que essa
interação fisiológica reduz a pressão arterial e a frequência cardíaca.
“Desde a década de 50 já existem pesquisas que comprovam os benefícios
psicológicos e físicos da interação com os cães, principalmente em
pacientes esquizofrênicos, depressivos e cardiopatas”, disse.
Porém,
ele destacou que os benefícios terapêuticos só são potencializados se
direcionados e trabalhados por um profissional qualificado e que o cão,
sozinho, não pode ser considerado terapia. Entretanto, Vinícius garante
que ter um animal em casa pode trazer diversos benefícios, desde que
“bem cuidado e que a família tenha prazer em possuir o cão e tempo para
se dedicar a ele, com brincadeiras, passeios e todos os cuidados
necessários”.
A
TAC, que é de São Paulo, utiliza cães, de diversas raças, treinados e
que passam por controle de saúde rigoroso. Antes de o cão tornar-se um
terapeuta, ele precisa passar por uma avaliação comportamental, que é
feita constantemente por um profissional especializado. Vinicius
destacou que não só porque o cão é “bonzinho” que ele pode ser
co-terapeuta, mas que há critérios rígidos quanto a socialização,
isenção total de agressividades e outros pontos específicos sobre o
comportamento do cão. “As pessoas em geral possuem uma excelente reação
ao cão, principalmente no ambiente hospitalar onde o cão acaba levando
momentos de descontração e “quebrando o gelo” entre os pacientes e
equipe médica”, explanou.
Condições para criar um animal
Os
benefícios de ter um animal de estimação são inúmeros, porém os
especialistas alertam que, antes de adotar um bicho, é preciso avaliar
as suas próprias condições – se terá tempo, disposição e dinheiro para
custear a assistência de saúde do animal. A professora Maria de Fátima
Martins disse que qualquer animal pode trazer benefícios aos donos, mas
ele precisa ter comportamento adequado, pois, ao invés de trazer
alegrias, pode trazer transtornos. “Não é só pegar na rua um animal e
achar que ele vai dar o que a pessoa precisa. É preciso ter a
conscientização, ver qual animal agrada e se a pessoa tem condições de
cuidar. É bom ressaltar que o animal pode ficar doente, ter custos para
cuidar, tratar, etc”, ressaltou.
O
fisioterapeuta Vinicius Fava Ribeiro ainda lembra que um cachorro, por
exemplo, vive muitos anos e requer cuidados específicos. “É importante
ressaltar que ter um cão é assumir a responsabilidade de cuidados,
alimentação, saúde e tudo que envolve o animal e que este pode ficar em
nossas vidas por um período grande que varia de 8 a 15 anos”, destacou.
Terapia com cães: autistas ficam mais tranquilos
Na
Apae, o foco da cinoterapia é diminuir e até acabar com a agressividade
das crianças e adolescentes autistas ou com outra síndrome cujo
acometido tem problemas de socialização. As mudanças comportamentais dos
usuários são observadas pela equipe multidisciplinar, que conta com
fonoaudiólogo, assistente social e psicóloga.
“A
terapia só tem sucesso e as mudanças são visíveis. O cachorro consegue
conquistar a confiança da criança. Mesmo quando ela bate, ele não
revida. Esse relacionamento com o cão melhora, inclusive, a aceitação da
criança aos outros tratamentos. Em uma sala fechada, ela não vai
aceitar a abordagem, mas ao ar livre com um cachorro, ela vai dar essa
abertura”, explicou Paula Mota, psicóloga da Apae.
Segundo
Paula, a associação tem um projeto para ampliar a cinoterapia para o
grupo de idosos com foco na melhoria da autoestima e afetividade. “Para
pessoas psicóticas, com depressão e dificuldade de locomoção, a terapia
também é ótima. O cachorro deixa as pessoas mais felizes”, afirmou.
Entre
um passeio e um carinho nos cachorros, a fonoaudióloga Patrícia Carla
aproveita para trabalhar a comunicação das crianças. Mesmo sem se
expressar com palavras, o contato com o cachorro desencadeia uma série
de emoções que são comunicadas pelas expressões faciais e corporais. “O
Lucas (com dificuldades de locomoção e da fala), por exemplo, não
precisa contar o que está sentindo, porque estamos vendo claramente o
que ele está passando. A cinoterapia estimula a criança a ter vontade de
se comunicar, que é muito difícil principalmente para o autista”,
explanou.
Patrícia
Carla informou que existem muitas pesquisas científicas que comprovam
os benefícios da terapia com animais e que a equipe da Apae vê na
prática os resultados. Ela citou o exemplo de Thiago, 21 anos, que antes
da terapia costumava agredir todo mundo e hoje está mais calmo. O pai
de Thiago, Paulo Xavier, contou que o jovem já fez equoterapia (terapia
com cavalos) e seu comportamento vem mudando também na forma de tratar
os animais. “Ele puxava os gatos e cachorros pelo rabo. Hoje ele não faz
mais isso, ele aprendeu a respeitar os animais”, comentou.
Evolução
José
Eriberto, 6 anos, chegou à terapia agitado, gritando e agressivo com as
profissionais. Mas bastou cinco minutos com o terapeuta Marley para os
dois começarem a brincadeira. Para esse feito, Marley usou suas melhores
armas: o carinho, a sinceridade e algumas lambidas no rosto. Marley é o
golden retrivier do canil da Polícia Militar que participa da
cinoterapia na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais da Paraíba
(Apae-PB). A mãe de José Eriberto, que começou o acompanhamento na
unidade há apenas um mês, Vera Lúcia Vasconcelos já vê os resultados da
terapia. “Hoje ele olha para a gente, busca falar mais, mesmo sem a
gente compreender. É uma evolução muito grande”, contou.
Quem
vê Gabriel, 8 anos, sentado quietinho aguardando sua vez de passear com
Marley, não imagina o quanto ele era agressivo e hiperativo. Ele é
autista e tem atraso mental e é acompanhado há cinco anos. A mãe, Elaine
Cristina de Sousa, disse que Gabriel nunca teve contato com nenhum
animal porque ela tinha medo dele não se adaptar. Depois da cinoterapia,
os resultados foram tão positivos que ela adotou um vira-lata, Pituxo,
que hoje é o melhor amigo do filho. “Não sabia que a convivência com o
cachorro seria tão boa pra ele. O Pituxo ama Gabriel, eles brincam de
correr é uma diversão”, contou.
Elaine
analisa que, depois da cinoterapia, o seu filho mudou para melhor. Ele
não é mais agressivo com as profissionais – antes ele vivia beliscando a
psicóloga e os policiais – e está mais calmo. “Gabriel mudou muito, não
vou dizer 100% porque ele ainda precisa de tratamento, mas melhorou uns
90%. Antigamente ele não ficava quieto, era muito agitado. No começo,
ele não sabia como lidar com o cão, hoje ele interage com o animal e
melhorou a socialização”, descreveu.
Para PMs
A
terapia com cães começou em 2006 como projeto de extensão da
Universidade Federal da Paraíba e há três anos é feita em parceria com a
Polícia Militar, que leva cachorros de várias raças – border colie,
labrador e até pit bull, este último nunca mais foi levado porque os
pais, por desconhecimento, temem a raça.
Para
o cabo Edimilson Santana e o soldado Almir Queiroz, a terapia não é
apenas para os usuários da Apae, mas também para eles. “É muito
gratificante e tira o nosso estresse do dia a dia”, comentou cabo
Edmilson.
Laureano pode ganhar cinoterapia
Projeto aguarda autorização da direção do hospital para liberar interação de cães com crianças com câncer
O
comandante do Canil, capitão Deuslânio Menezes, disse que planeja
expandir a cinoterapia para as crianças internadas no hospital Napoleão
Laureano e que aguarda apenas o posicionamento da unidade de saúde para
começar a atividade. “Desde o ano passado sinalizamos a vontade de levar
os cães, mas até o momento não tivemos respostas. Entendemos que é
preciso uma cautela, pois as crianças em tratamento ficam com a
imunidade baixa e é preciso um acompanhamento médico para saber se o
contato põe em risco a saúde. Eu sou veterinário e faço avaliações
regulares dos cachorros, que passam por todos os cuidados de saúde”,
contou.
A
chefe do setor de Pediatria do hospital, a oncologista Andréa Gadelha,
disse que a iniciativa é interessante e que viu as notícias de hospitais
que abriram suas portas aos animais. Porém, ela destacou que é preciso
um controle muito grande da saúde dos animais – como controle
parasitário – para não prejudicar a saúde já debilitada das crianças.
“Eu achei lindo os animais nos hospitais oncológicos e temos o interesse
de trazer essa iniciativa para aqui. Mas, antes precisamos da
autorização da direção do hospital e ter certeza que os animais estão
saudáveis”, afirmou.
Equoterapia: 100 estão na lista de espera
A
equoterapia – terapia que usa o cavalo – traz benefícios em várias
áreas e é usada como complemento das terapias tradicionais. Em João
Pessoa, a Associação Paraibana de Equoterapia oferece, gratuitamente, o
serviço que tem uma lista de espera com aproximadamente 100 pessoas. A
fisioterapeuta, Bruna Pires, explicou que o cavalo é o único animal que
tem movimento que se assemelha à marcha humana. Assim, montada no
animal, é como se a pessoa estivesse caminhando. “O movimento estimula a
musculatura do praticante, trabalha o equilíbrio e a coordenação
motora. A postura fica melhor”.
Estes
benefícios são refletidos na abordagem da fonoaudiologia. A
fonoaudióloga Raphaela de Lima Cruz disse que a terapia auxilia na
deglutição e a parar de babar, pois trabalha a musculatura orofacial. “A
equoterapia também incentiva os praticantes a falar. Pacientes que
nunca falaram disseram suas primeiras palavras aqui, algo relacionado ao
ambiente, como cavalo. Aqui, o ambiente é lúdico e não parece que o
praticante está numa terapia, como acontece nas terapias tradicionais,
onde o paciente fica entre quatro paredes, num ambiente que remete ao
hospital”, afirmou.
A
psicóloga Fernanda Nogueira disse que estar sobre o animal traz um
empoderamento ao praticante que, muitas vezes, nunca andou. Esta
perspectiva melhora a autoestima, a autoconfiança e se reflete na saúde,
potencializando os outros tratamentos. “A equoterapia também melhora a
socialização e a inclusão social, além de incentivar a prática do
paradesporto. Na terapia, os praticantes fazem diversas atividades
enquanto esperam sua vez de montar. Quando o praticante monta, a
expressão facial muda, ele abre um largo sorriso. Aqueles que não falam,
depois da sessão, saem falando ‘cavalo’ ou o nome do animal”, disse.
Autoestima e boa coordenação motora
Segundo
Ricardo Luiz Ferreira, a sua filha Byanka, 17 anos, é mais corajosa que
ele. Ela (que tem dificuldade de se locomover e de falar) é praticante
da equoterapia e o pai morre de medo do cavalo. “Teve uma ação aqui no
qual os pais podiam montar. Eu montei, mas ainda tenho muito medo. Já
minha filha não, adora montar e tira de letra”, relatou. Ricardo disse
que as mudanças são visíveis: a coordenação motora melhorou e a
autoestima. “A terapia é fantástica, não só para ela, mas para os pais
também. Nós participamos de um trabalho aqui, conversamos e trocamos
experiências”, contou.
Gabriel,
18 anos, que tem lesão cerebral grave, é praticante há oito anos e os
dias da terapia são as mais divertidas. Sua mãe, Ana Cláudia Lima,
relatou que o primeiro contato trouxe uma mistura de sentimentos – medo e
felicidade – mas que hoje Gabriel adora montar. “Para ele, que é
totalmente dependente das outras pessoas, ficar em cima do cavalo,
sozinho, resgatou a autoestima e mostrou que ele tem o poder. Na parte
motora, a gente percebe que ele tenta buscar o equilíbrio, movimenta os
músculos que numa fisioterapia tradicional ele não conseguiria. A
terapia vale muito a pena e é uma melhora na qualidade de vida para o
meu filho e para mim também. Eu fico muito satisfeita ao vê-lo tão
feliz”, relatou.
Um
acidente de carro há cinco anos – que vitimou dois amigos – deixou
graves sequelas em Alisson, 26 anos, que hoje luta para recuperar os
movimentos. A mãe do jovem, Gilvanira Gomes de Oliveira, contou que hoje
o filho consegue andar sozinho pela casa, já pega ônibus e aos poucos
vem melhorando sua coordenação motora graças ao auxílio da equoterapia.
“Ele melhorou 70% com a equoterapia. Toda quarta-feira ele fica ansioso
para vir à associação. O neurologista foi que encaminhou meu filho para
a terapia, eu mesma não conhecia. Estou maravilhada como ela ajuda na
recuperação”.
Breno,
19 anos, não gosta nem de imaginar ficar uma semana sem montar no
cavalo. Com deficiência mental leve, ele contou que desde o primeiro
momento que viu o animal, o achou lindo e fascinante. A sua tia, Maria
Lúcia Ferreira, tem medo de montar e admira a coragem do sobrinho. “Ele
adora e se deu muito bem com a montaria”.
Contraindicações
A
equoterapia tem suas contraindicações: pessoas agressivas, com
epilepsia, cardiopatas, com fobias, hemofilia e problemas graves nos
ossos não podem praticar, pois podem cair do cavalo e se machucar
gravemente. “Se a pessoa tiver um episódio de agressão ou de epilepsia
não tem como os ajudantes segurarem e ela pode cair”, informou
Fernanda.
A
associação sobrevive com doações e recursos de projetos sociais,
segundo a presidente Eva Oliveira Silva. Para ter acesso ao serviço, as
pessoas devem procurar a associação e colocar o nome na lista de espera.
A equipe conta com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos,
assistentes sociais, educador físico e o treinador de hipismo, mas os
principais são os cavalos: Pilar, a mais antiga, Biscoito (filha de
Pilar), Atrevido, Faraó e Mel.
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