segunda-feira, 17 de junho de 2013

Bicho é usado para curar gente
Amanda Carvalho
Os riscos de doenças cardíacas diminuem, o sistema imunológico é fortalecido e a expectativa de vida aumenta. Estes são alguns benefícios – comprovados cientificamente – da interação do homem com animais. As terapias assistidas por animais estão ganhando espaço no País e, recentemente, o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, liberou a visita de bichos a pacientes. Em João Pessoa, a cinoterapia e a equoterapia são usadas em pacientes com atraso neuropsicomotor, paralisias, hiperatividade, timidez, stress... Os benefícios são tratados em vários trabalhos acadêmicos no mundo, mas as terapias ainda são pouco exploradas. Um detalhe importante: embora o cão seja o mais usado, qualquer animal – do escargot ao golfinho – pode ser um terapeuta.
Afago libera hormônios do bem
Pesquisas ainda são recentes, mas USP já tem disciplina de zooterapia em cursos de gradução e pós
Amanda Carvalho
A Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (USP) foi a primeira do Brasil a oferecer na sua grade curricular da graduação e da pós-graduação a disciplina zooterapia. A idealizadora da cadeira, a professora Maria de Fátima Martins, explicou que as pesquisas sobre os benefícios da interação com os animais, no Brasil, ainda estão muito no começo, mas que os projetos estão ganhando espaço na academia.
As pesquisas comprovaram que, quando uma pessoa afaga um animal, libera os chamados hormônios do bem, neurotransmissores que deixam as pessoas mais felizes. “Nós somos um conjunto de hormônios. O cortisol, por exemplo, é um que deixa as pessoas depressivas, tristes. Quando interagimos com os animais, liberamos a serotonina, que é antagonista do cortisol. Porém, isso acontece quando a pessoa tem um histórico de empatia com os animais. Se ela não gosta, tem medo ou fobia, o efeito pode até ser o contrário”, explicou.    
Na prática, os resultados dos estudos mostram que essa interação traz melhorias na saúde – física e mental – das pessoas. 
Um dos projetos da disciplina, coordenado pela professora Maria de Fátima Martins, é o “Desenvolvendo a afetividade de idosos institucionalizados, através dos animais”. Desde 2006, quando foi implantado, vem repercutindo na saúde dos idosos de forma positiva, proporcionando um aumento da afetividade, do ânimo e da socialização dos idosos. Para o projeto são usados cães de várias raças e pássaros. 
A disciplina atua em duas linhas, terapêutica e educacional. Nas duas, os alunos podem pôr em prática a teoria em projetos executados pela professora. Num deles, ela leva o seu gato para um abrigo de idosos. “É um gato terapeuta que eu mesma treinei. Ele é ótimo com os idosos”, comentou.
Prática socializa e reduz estresse
“Uma pesquisa feita há 13 anos, na África do Sul, demonstrou que com 15 a 20 minutos de interação com cães as pessoas liberaram uma série de neurotransmissores e hormônios que ajudam na socialização e redução do estresse”. É assim que o fisioterapeuta e diretor da associação Terapias Assistidas por Cães (TAC), Vinicius Fava Ribeiro, começou a explicar os benefícios das terapias com animais. Ele continuou dizendo que essa interação fisiológica reduz a pressão arterial e a frequência cardíaca. “Desde a década de 50 já existem pesquisas que comprovam os benefícios psicológicos e físicos da interação com os cães, principalmente em pacientes esquizofrênicos, depressivos e cardiopatas”, disse.
Porém, ele destacou que os benefícios terapêuticos só são potencializados se direcionados e trabalhados por um profissional qualificado e que o cão, sozinho, não pode ser considerado terapia. Entretanto, Vinícius garante que ter um animal em casa pode trazer diversos benefícios, desde que “bem cuidado e que a família tenha prazer em possuir o cão e tempo para se dedicar a ele, com brincadeiras, passeios e todos os cuidados necessários”. 
A TAC, que é de São Paulo, utiliza cães, de diversas raças, treinados e que passam por controle de saúde rigoroso. Antes de o cão tornar-se um terapeuta, ele precisa passar por uma avaliação comportamental, que é feita constantemente por um profissional especializado. Vinicius destacou que não só porque o cão é “bonzinho” que ele pode ser co-terapeuta, mas que há critérios rígidos quanto a socialização, isenção total de agressividades e outros pontos específicos sobre o comportamento do cão. “As pessoas em geral possuem uma excelente reação ao cão, principalmente no ambiente hospitalar onde o cão acaba levando momentos de descontração e “quebrando o gelo” entre os pacientes e equipe médica”, explanou. 
Condições para criar um animal
Os benefícios de ter um animal de estimação são inúmeros, porém os especialistas alertam que, antes de adotar um bicho, é preciso avaliar as suas próprias condições – se terá tempo, disposição e dinheiro para custear a assistência de saúde do animal. A professora Maria de Fátima Martins disse que qualquer animal pode trazer benefícios aos donos, mas ele precisa ter comportamento adequado, pois, ao invés de trazer alegrias, pode trazer transtornos.  “Não é só pegar na rua um animal e achar que ele vai dar o que a pessoa precisa. É preciso ter a conscientização, ver qual animal agrada e se a pessoa tem condições de cuidar. É bom ressaltar que o animal pode ficar doente, ter custos para cuidar, tratar, etc”, ressaltou.
O fisioterapeuta Vinicius Fava Ribeiro ainda lembra que um cachorro, por exemplo, vive muitos anos e requer cuidados específicos. “É importante ressaltar que ter um cão é assumir a responsabilidade de cuidados, alimentação, saúde e tudo que envolve o animal e que este pode ficar em nossas vidas por um período grande que varia de 8 a 15 anos”, destacou.
Terapia com cães: autistas ficam mais tranquilos
Na Apae, o foco da cinoterapia é diminuir e até acabar com a agressividade das crianças e adolescentes autistas ou com outra síndrome cujo acometido tem problemas de socialização. As mudanças comportamentais dos usuários são observadas pela equipe multidisciplinar, que conta com fonoaudiólogo, assistente social e psicóloga. 
“A terapia só tem sucesso e as mudanças são visíveis. O cachorro consegue conquistar a confiança da criança. Mesmo quando ela bate, ele não revida. Esse relacionamento com o cão melhora, inclusive, a aceitação da criança aos outros tratamentos. Em uma sala fechada, ela não vai aceitar a abordagem, mas ao ar livre com um cachorro, ela vai dar essa abertura”, explicou Paula Mota, psicóloga da Apae. 
Segundo Paula, a associação tem um projeto para ampliar a cinoterapia para o grupo de idosos com foco na melhoria da autoestima e afetividade. “Para pessoas psicóticas, com depressão e dificuldade de locomoção, a terapia também é ótima. O cachorro deixa as pessoas mais felizes”, afirmou.
Entre um passeio e um carinho nos cachorros, a fonoaudióloga Patrícia Carla aproveita para trabalhar a comunicação das crianças. Mesmo sem se expressar com palavras, o contato com o cachorro desencadeia uma série de emoções que são comunicadas pelas expressões faciais e corporais. “O Lucas (com dificuldades de locomoção e da fala), por exemplo, não precisa contar o que está sentindo, porque estamos vendo claramente o que ele está passando. A cinoterapia estimula a criança a ter vontade de se comunicar, que é muito difícil principalmente para o autista”, explanou. 
Patrícia Carla informou que existem muitas pesquisas científicas que comprovam os benefícios da terapia com animais e que a equipe da Apae vê  na prática os resultados. Ela citou o exemplo de Thiago, 21 anos, que antes da terapia costumava agredir todo mundo e hoje está mais calmo. O pai de Thiago, Paulo Xavier, contou que o jovem já fez equoterapia (terapia com cavalos) e seu comportamento vem mudando também na forma de tratar os animais. “Ele puxava os gatos e cachorros pelo rabo. Hoje ele não faz mais isso, ele aprendeu a respeitar os animais”, comentou.
Evolução
José Eriberto, 6 anos, chegou à terapia agitado, gritando e agressivo com as profissionais. Mas bastou cinco minutos com o terapeuta Marley para os dois começarem a brincadeira. Para esse feito, Marley usou suas melhores armas: o carinho, a sinceridade e algumas lambidas no rosto. Marley é o golden retrivier do canil da Polícia Militar que participa da cinoterapia na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais da Paraíba (Apae-PB). A mãe de José Eriberto, que começou o acompanhamento na unidade há apenas um mês, Vera Lúcia Vasconcelos já vê os resultados da terapia. “Hoje ele olha para a gente, busca falar mais, mesmo sem a gente compreender. É uma evolução muito grande”, contou. 
Quem vê Gabriel, 8 anos, sentado quietinho aguardando sua vez de passear com Marley, não imagina o quanto ele era agressivo e hiperativo. Ele é autista e tem atraso mental e é acompanhado há cinco anos. A mãe, Elaine Cristina de Sousa, disse que Gabriel nunca teve contato com nenhum animal porque ela tinha medo dele não se adaptar. Depois da cinoterapia, os resultados foram tão positivos que ela adotou um vira-lata, Pituxo, que hoje é o melhor amigo do filho. “Não sabia que a convivência com o cachorro seria tão boa pra ele. O Pituxo ama Gabriel, eles brincam de correr é uma diversão”, contou. 
Elaine analisa que, depois da cinoterapia, o seu filho mudou para melhor. Ele não é mais agressivo com as profissionais – antes ele vivia beliscando a psicóloga e os policiais – e está mais calmo. “Gabriel mudou muito, não vou dizer 100% porque ele ainda precisa de tratamento, mas melhorou uns 90%. Antigamente ele não ficava quieto, era muito agitado. No começo, ele não sabia como lidar com o cão, hoje ele interage com o animal e melhorou a socialização”, descreveu.
Para PMs 
A terapia com cães começou em 2006 como projeto de extensão da Universidade Federal da Paraíba e há três anos é feita em parceria com a Polícia Militar, que leva cachorros de várias raças – border colie, labrador e até pit bull, este último nunca mais foi levado porque os pais, por desconhecimento, temem a raça. 
Para o cabo Edimilson Santana e o soldado Almir Queiroz, a terapia não é apenas para os usuários da Apae, mas também para eles. “É muito gratificante e tira o nosso estresse do dia a dia”, comentou cabo Edmilson.
Laureano pode ganhar cinoterapia
Projeto aguarda autorização da direção do hospital para liberar interação de cães com crianças com câncer
O comandante do Canil, capitão Deuslânio Menezes, disse que planeja expandir a cinoterapia para as crianças internadas no hospital Napoleão Laureano e que aguarda apenas o posicionamento da unidade de saúde para começar a atividade. “Desde o ano passado sinalizamos a vontade de levar os cães, mas até o momento não tivemos respostas. Entendemos que é preciso uma cautela, pois as crianças em tratamento ficam com a imunidade baixa e é preciso um acompanhamento médico para saber se o contato põe em risco a saúde. Eu sou veterinário e faço avaliações regulares dos cachorros, que passam por todos os cuidados de saúde”, contou.  
A chefe do setor de Pediatria do hospital, a oncologista Andréa Gadelha, disse que a iniciativa é interessante e que viu as notícias de hospitais que abriram suas portas aos animais. Porém, ela destacou que é preciso um controle muito grande da saúde dos animais – como controle parasitário – para não prejudicar a saúde já debilitada das crianças. “Eu achei lindo os animais nos hospitais oncológicos e temos o interesse de trazer essa iniciativa para aqui. Mas, antes precisamos da autorização da direção do hospital e ter certeza que os animais estão saudáveis”, afirmou.
Equoterapia: 100 estão na lista de espera
A equoterapia – terapia que usa o cavalo – traz benefícios em várias áreas e é usada como complemento das terapias tradicionais. Em João Pessoa, a Associação Paraibana de Equoterapia oferece, gratuitamente, o serviço que tem uma lista de espera com aproximadamente 100 pessoas. A fisioterapeuta, Bruna Pires, explicou que o cavalo é o único animal que tem movimento que se assemelha à marcha humana. Assim, montada no animal, é como se a pessoa estivesse caminhando. “O movimento estimula a musculatura do praticante, trabalha o equilíbrio e a coordenação motora. A postura fica melhor”. 
Estes benefícios são refletidos na abordagem da fonoaudiologia. A fonoaudióloga Raphaela de Lima Cruz disse que a terapia auxilia na deglutição e a parar de babar, pois trabalha a musculatura orofacial. “A equoterapia também incentiva os praticantes a falar. Pacientes que nunca falaram disseram suas primeiras palavras aqui, algo relacionado ao ambiente, como cavalo. Aqui, o ambiente é lúdico e não parece que o praticante está numa terapia, como acontece nas terapias tradicionais, onde o paciente fica entre quatro paredes, num ambiente que remete ao hospital”, afirmou.
A psicóloga Fernanda Nogueira disse que estar sobre o animal traz um empoderamento ao praticante que, muitas vezes, nunca andou. Esta perspectiva melhora a autoestima, a autoconfiança e se reflete na saúde, potencializando os outros tratamentos. “A equoterapia também melhora a socialização e a inclusão social, além de incentivar a prática do paradesporto. Na terapia, os praticantes fazem diversas atividades enquanto esperam sua vez de montar. Quando o praticante monta, a expressão facial muda, ele abre um largo sorriso. Aqueles que não falam, depois da sessão, saem falando ‘cavalo’ ou o nome do animal”, disse.
Autoestima e boa coordenação motora
Segundo Ricardo Luiz Ferreira, a sua filha Byanka, 17 anos, é mais corajosa que ele. Ela (que tem dificuldade de se locomover e de falar) é praticante da equoterapia e o pai morre de medo do cavalo. “Teve uma ação aqui no qual os pais podiam montar. Eu montei, mas ainda tenho muito medo. Já minha filha não, adora montar e tira de letra”, relatou. Ricardo disse que as mudanças são visíveis: a coordenação motora melhorou e a autoestima. “A terapia é fantástica, não só para ela, mas para os pais também. Nós participamos de um trabalho aqui, conversamos e trocamos experiências”, contou.
Gabriel, 18 anos, que tem lesão cerebral grave, é praticante há oito anos e os dias da terapia são as mais divertidas. Sua mãe, Ana Cláudia Lima, relatou que o primeiro contato trouxe uma mistura de sentimentos – medo e felicidade – mas que hoje Gabriel adora montar. “Para ele, que é totalmente dependente das outras pessoas, ficar em cima do cavalo, sozinho, resgatou a autoestima e mostrou que ele tem o poder. Na parte motora, a gente percebe que ele tenta buscar o equilíbrio, movimenta os músculos que numa fisioterapia tradicional ele não conseguiria. A terapia vale muito a pena e é uma melhora na qualidade de vida para o meu filho e para mim também. Eu fico muito satisfeita ao vê-lo tão feliz”, relatou.
Um acidente de carro há cinco anos – que vitimou dois amigos – deixou graves sequelas em Alisson, 26 anos, que hoje luta para recuperar os movimentos. A mãe do jovem, Gilvanira Gomes de Oliveira, contou que hoje o filho consegue andar sozinho pela casa, já pega ônibus e aos poucos vem melhorando sua coordenação motora graças ao auxílio da equoterapia. “Ele melhorou 70% com a equoterapia. Toda quarta-feira ele fica ansioso para vir à associação. O neurologista  foi que encaminhou meu filho para a terapia, eu mesma não conhecia. Estou maravilhada como ela ajuda na recuperação”.
Breno, 19 anos, não gosta nem de imaginar ficar uma semana sem montar no cavalo. Com deficiência mental leve, ele contou que desde o primeiro momento que viu o animal, o achou lindo e fascinante. A sua tia, Maria Lúcia Ferreira, tem medo de montar e admira a coragem do sobrinho. “Ele adora e se deu muito bem com a montaria”.
Contraindicações
A equoterapia tem suas contraindicações: pessoas agressivas, com epilepsia, cardiopatas, com fobias, hemofilia e problemas graves nos ossos não podem praticar, pois podem cair do cavalo e se machucar gravemente. “Se a pessoa tiver um episódio de agressão ou de epilepsia não tem como os ajudantes segurarem e ela pode cair”, informou Fernanda. 
A associação sobrevive com doações e recursos de projetos sociais, segundo a presidente Eva Oliveira Silva. Para ter acesso ao serviço, as pessoas devem procurar a associação e colocar o nome na lista de espera. A equipe conta com fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais, educador físico e o treinador de hipismo, mas os principais são os cavalos: Pilar, a mais antiga, Biscoito (filha de Pilar), Atrevido, Faraó e Mel.

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